A Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que a massa de rendimento real de todas as pessoas caiu em Mato Grosso do Sul, em média, 7% no início deste ano, quando comparado ao início da pandemia. Outro dado é o número de pessoas ocupadas, que aumentou 1,23% nos últimos 13 trimestres. Por meio de números, a Pnad mostra que tem mais gente trabalhando e recebendo menos.

De acordo com Andreia Ferreira, economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), os impactos da na economia se fizeram sentir com mais intensidade a partir do 2º trimestre de 2019. Embora não tenha sido feito confinamento (ou lockdown) no Estado, muitas atividades diminuíram seu ritmo de comercialização e produção – o que tem sido retomado em 2022, mas sob patamares mais precários para os trabalhadores, com aumento da jornada, limitação no vínculo formal e com rendimentos menores.

Para Andreia Ferreira, a inflação, que desde setembro de 2021 está na casa dos dois dígitos, não tem sido aplicada adequadamente para corrigir o salário dos trabalhadores, e no caso daqueles que recebem um salário mínimo, ela lembra que desde primeiro de janeiro de 2019 não há mais a política de valorização, que considerava a inflação do período e a variação do PIB. “Este conjunto de fatores ajudam a entender o porquê desta queda na massa de rendimentos”, esclarece Andreia Ferreira.

Quando o assunto é o aumento de 1,23% no número de pessoas ocupadas, Andreia Ferreira explica que o fim do auxílio emergencial, em outubro de 2021, seguido pelo fim do Bolsa Família, ajudam a entender o discreto aumento no número de pessoas ocupadas. “As pessoas têm buscado qualquer ocupação que possa proporcionar patamares mínimos de renda – que lhes garantam moradia, alimentação, transporte e saúde. Como não há retomada substancial da economia, tampouco medidas do governo federal que ajudem nesse processo de retomada da produção, as vagas que surgem oferecem baixos salários, mas diante de não ter renda alguma, as pessoas se submetem”, detalha Andreia Ferreira.

Já em relação ao contingente de pessoas no setor privado com carteira assinada – que aumentou 5,4% -, Andreia Ferreira deixa claro que a Reforma Trabalhista de 2017 alterou as formas de contratação, com jornada parcial, intermitente ou temporária, e, consequentemente, de remuneração. Além disso, segundo a economista, houve uma crise econômica, agravada pela pandemia de Covid-19 – que ainda não acabou, que segue sem sinalizações claras de solução por parte da equipe econômica do governo federal. “Essas peças ilustram o triste quebra-cabeça que temos visto: grande contingente de trabalhadores precarizados – que, literalmente, em não poucos casos, pagam para trabalhar”, revela.

A afirmação de Andreia Ferreira encontra ainda mais subsídios estatísticos quando os números da Pnad, em Mato Grosso do Sul, apontam para um aumento de 4% nos trabalhadores que atendem ao setor privado sem carteira assinada e mais um salto de 5,8% nos que dizem que trabalham por conta própria. Esses dois últimos grupos somam um contingente de 22 mil precarizados, ou fora do que estabelece a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Há, ainda, a questão do número de empregadores, que caiu de 78 mil para 69 mil, o que dá uma diminuição 11,5%. Embora, por segmento, o mais expressivo aumento de pessoal ocupado esteja na indústria, com uma subida de 19%, o segundo lugar – em termos percentuais – está no segmento “atividade transporte, armazenagem e correio”.  Neste caso, o número de pessoas trabalhando saltou de 56 mil, para 64 mil pessoas, que corresponde a um aumento de 14,2%.

Na avaliação de Andreia Ferreira, as indústrias frigoríficas (grupo carnes), de alimentos e bebidas, setor sucroenergético e papel e celulose continuaram a funcionar mesmo durante o período com maior número de mortes na pandemia. Diante de uma demanda por alimentos continuamente aquecida, essas indústrias têm conseguido manter um considerável número de ocupados no setor – o que pode ser alterado à medida em que os processos industriais venham a se tornar intensivos em mecanização.

Para Andreia Ferreira, a uberização – e a precarização de renda e saúde que ela traz – aumentou de modo significativo na pandemia, em função de uma considerável parcela da população que pôde desempenhar tanto suas atividades laborais em casa, de modo remoto (home office), quanto suas ações de consumo. “Agora, com o avanço da vacinação e da retomada das atividades presenciais, é preciso acompanhar para saber se esta situação persiste”, explica a economista.

Para Flávio Silva, 30, o momento agora é de virar a página porque – após três anos – ele deixa os aplicativos de transporte e consegue um emprego com carteira assinada. Flávio destaca que houve meses que o faturamento realmente foi bom, mas ele não esquece que o nível de incertezas neste negócio nunca baixa. Fora isso, ainda havia as despesas do automóvel, que ficam mais intensas devido ao uso contínuo do veículo. “Estou trabalhando no setor de vendas de uma fábrica de móveis e não quero voltar a ser uber”, disse.

Quem também está correndo por fora a Láiza França, 33, que mesmo quando está com um emprego com carteira assinada, não abre mão de sua vertente “autônoma”. Formada em artes, Láiza disse que está estudando para um concurso público e acredita que em breve deixará a vida de emprego privado, mas jamais abandonará seu lado autônomo. Ele trabalha com cosméticos e produtos de beleza, além de ser uma manicure disputada. “Estou com a agenda lotada para as próximas duas semanas. Vou fazer um concurso porque preciso de uma estabilidade”, destaca.