STF determina apoio da Força Nacional para instalação de cruz no local de execução de Neri Kaiowá

‘O conflito ora resolvido não se resume a dinheiro, posse ou indenizações’, diz Gilmar Mendes em decisão inédita sobre terra indígena de MS

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Indígena foi sepultado na terra e cruz será erguida no local do conflito (Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)

O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou em decisão inédita homologada nesta sexta-feira (27) sobre a terra indígena a Ñanderu Marangatu, no município de Antônio João, que a Força Nacional e a PMMS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul) garantam o acesso de cerca de 300 indígenas à Fazenda Barra para que eles ergam uma cruz no local de execução de Neri Kaiowá.

Na decisão, o ministro frisa que “a concordância quanto à execução do ritual de colocação da cruz representa o reconhecimento da dignidade do outro e o respeito por seu sofrimento”. O ritual deve ser realizado com apoio da Funai (Fundação Nacional do Índio) neste sábado (28), das 6h às 17h.

No ato de homologação da terra indígena, Mendes destaca que a cláusula do acordo ‘reveste-se de especial relevância, na medida em que materializa o avanço alcançado pelas partes na compreensão mútua em meio à instabilidade na região que resultou em morte, dor e perda’.

Também frisa que “o conflito ora resolvido não se resume a dinheiro, posse ou indenizações. São projetos de vida acalentados e destruídos por séculos de luta e resistência. Afinal, essas mesmas pessoas que hoje se sentam em lados opostos das mesas de negociação amanhã compartilharão efetivamente – e como sempre iguais – os mesmos projetos e destinos na construção conjunta de uma sociedade livre, justa e solidária. Esse futuro apenas será construído com tolerância e empatia”, finaliza.

Sinais de execução

O ato de homologação registra um ponto importante na discussão pelas terras. Segundo os relatos preliminares recebidos pelo Demed (Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas), fotografia do corpo de Neri Kaiowá traz ‘fortes indícios de execução, verificando-se que o tiro foi disferido na nuca’.

“O disparo letal partiu de agente da Polícia Militar (PM) de MS, informação confirmada em contato telefônico entre representante do Governo do Estado de MS e este MPI. Destaque-se ainda que as informações de campo indicam que agentes da PM teriam tentado remover o corpo do local, encontrando resistência da família da vítima, que seguiu aguardando in loco a ida da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), acompanhada pela Polícia Federal (PF) e pela Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), para o devido encaminhamento ao Instituto Médico Legal (IML)”, diz trecho da homologação.

Homologação

De acordo com a homologação, as partes acordaram o pagamento imediato das benfeitorias dos imóveis de particulares inseridos na Terra Indígena Ñanderu Marangatu no valor global de R$ 27.887.718,98 – conforme avaliação individualizada da FUNAI -, realizada no ano de 2005 e atualizada com a utilização do manual de cálculos da justiça federal para fins de conciliação, viabilizado por crédito suplementar da União, via depósito judicial.

Doze proprietários receberão pelos valores. São eles:

1.1) Altamir João Dalla Corte e Nair Dalla Corte, proprietários da Fazenda Morro Alto, farão jus a R$ 1.185.838,20.
1.2) Carlinda Barbosa Arantes, proprietária da Fazenda Primavera, fará jus a R$ 6 .711.784,35.
1.3) Espólio de Jamil Saldanha Derzi, proprietário da Fazenda Piquiri Santa Cleusa, fará jus a R$ 1.377.957,37.
1.4) Espólio de Nery Alves de Azambuja, proprietário da Fazenda Itá Brasília, fará jus a R$ 328.559,01.
1.5) Espólio de José Pilecco, proprietário da Fazenda Piquiri Santa Vitória, fará jus a R$ 382.643,56.
1.6) Pio Silva, proprietário da Fazenda Barra, fará jus a R$ 4.733.978,64.
1.7) Pio Silva, proprietário da Fazenda Cedro, fará jus a R$ 3.610.145,62.
1.8) Pio Silva, proprietário da Fazenda Fronteira, fará jus a R$ 4.980.385,15.
1.9) Regina F. Alves Correia Inglesias, proprietário da Fazenda Pérola do Vale, fará jus a R$ 2.483.292,14.
1.10) Rosário Congro Flôres, proprietário da Chácara do Campestre, fará jus a R$ 57.737,11.
1.11) Waldemar Souza Barbosa, proprietário da Fazenda Itaguassu fará jus a R$ 1.194.481,64.
1.12) Os ocupantes de lotes rurais na Vila Campestre farão jus a R$ 821.373,62, conforme avaliação individualizada da FUNAI.

Após o pagamento das benfeitorias, os produtores rurais terão até 15 dias corridos para deixar a terra. Após o decurso do referido prazo, a comunidade indígena ingressará no imóvel de forma pacífica, mantendo-se as benfeitorias que foram objeto de levantamento pela FUNAI e pagamento indenizatório.

A União pagará o valor de R$ 102.112.281,02, dividido proporcionalmente entre os proprietários, conforme o número de hectares do imóvel indicado na respectiva matrícula. Os ocupantes de lotes rurais na Vila Campestre não estão incluídos no montante indenizatório da terra nua. O Estado do Mato Grosso do Sul antecipará à União o valor de R$ 16.000.000,00, via depósito judicial, a ser futuramente deduzido de eventual montante negociado, que não inclui as benfeitorias.