Mais de 130 dias após rompimento de barragem, Nasa Park aborda vítimas na tentativa de ‘forçar’ acordos
Perdas calculadas pelas vítimas vão muito além das materiais: “e o dano moral, e o dano ambiental?”, questiona moradora
Liana Feitosa –
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Após mais de três meses desde o rompimento da barragem do loteamento de luxo Nasa Park, que devastou propriedades rurais, destruiu trecho da BR-163 em Jaraguari, causou a morte de animais e muitas perdas às famílias afetadas, os responsáveis pelo empreendimento agora tentar negociar com as vítimas.
Em um dos casos, a vítima calcula R$ 100 mil de perdas entre maquinário, eletrodomésticos, móveis, tanque de peixes, poço artesiano, cercas e animais de criação. Mas a proposta do Nasa Park se limitou a dar à vítima alguns móveis usados e fornecer a limpeza da propriedade.
Em outro caso, perícia realizada a pedido do Nasa Park em uma das propriedades afetadas levantou perdas que, supostamente, seriam de R$ 180 mil, valor muito abaixo do real prejuízo observado no local.
Na chácara existiam plantações, criação de animais, ferramentas além de, claro, duas casas, onde morava um total de nove pessoas, sendo 5 adultos e quatro crianças.
O resultado da perícia contratada aponta uma perda total estimada de R$ 127.120 a R$ 232.650. Diante disso, foi sugerido acordo no valor de R$ 180 mil.
Para justificar a estipulação desse valor a perícia justificou: “por se tratar de construções antigas, de padrão baixo e mobílias simples, determinamos o valor avaliando em R$ 180 mil.”
“Quase que eu perguntei se era piada o que o rapaz estava falando, porque, olha…”, comenta Gabriele do Prado, proprietária do imóvel em questão.
O que se perdeu
Como já detalhado pelo Midiamax diversas vezes, a devastação causada pela água fez com que famílias perdessem tudo.
Mas além de itens como eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis, utensílios em geral, itens de decoração, fotografias, assim como todo o vestuário das famílias; o fato de a água ter invadido imóveis rurais, muito mais foi perdido. Ou seja, os prejuízos são ainda mais extensos.
Os tanques de peixe e o poço artesiano que existia na propriedade de Gabriele foram tomados por lama e ficaram impróprios. Também foram perdidos 8 porcos usados para produção de banha, assim como o mandiocal, plantação de milho e hortaliças.
“Onde a água passou só deixou lama por dias e um cheiro horrível. Sem falar na contaminação, pois não tem rede de esgoto”, detalha Gabriele.
Até mesmo as portas do imóvel foram perdidas, assim como a do banheiro, chuveiro, vaso sanitário. “Também perdemos todas as cercas, mangueiras de irrigação, telas de alambrado, cavadeira, enxadas, pás”, completa Gabriele. Nada disso foi incluído no levantamento feito pela perícia do Nasa Park.
Perdas além do material
“Minha mãe e meu irmão também perderam a renda deles, o que faz a situação ficar bem pior ainda porque a renda do meu pai e do meu marido não são suficientes para manter tudo.
Estamos com a conta de luz já para cortar. Os gastos com a comida aumentaram, antes tínhamos os porcos, agora até óleo tem que comprar”, detalha Gabriele.
Além disso, há as despesas de saúde da família, já que Gabriele tem um filho autista que necessita de remédios de uso contínuo, o pai dela tem sequelas de um AVC e sua filha mais nova, Júlia, há 8 anos sofre com uma doença sem diagnóstico.
O que o acordo considerou:
No documento fornecido à Gabriele pelo Nasa Park, danos morais e ambientais não foram contabilizados.
“Nessa proposta, eles consideram o valor de R$ 180 mil pela minha casa e pela casa da minha mãe, que ficava colada na minha. E o dano ambiental? Eles não fizeram questão de incluir o prejuízo financeiro relativo ao dano ambiental. Só querem fazer uma cerca e pronto. E a erosão, como que fica? Quem vai recuperar?”, questiona Gabriele.
“A área total lá em volta está toda contaminada, o solo está contaminado. tudo isso aí, e como que fica, né, mas não, não coloca nada não, colocaram só esse valor absurdo aí que eles acham que ainda estão fazendo muito”, completa.
Assim, ignorando o processo em andamento movido pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), um representante das empresas responsáveis pelo lago do Nasa tem procurado moradores para firmar acordos.
Ministério Público sabe de acordos “por fora”
Em comunicado enviado às vítimas, e acessado pelo Midiamax, o promotor de Justiça do Núcleo Ambiental do MP, Luciano Loubet, disse que o Nasa Park já conseguiu firmar alguns desses acordos.
O Nasa Park deu a informação ao Ministério Público em reunião realizada na última segunda-feira (25), feita pelo MP na tentativa de estabelecer uma negociação com o Nasa Park.
“Nessa reunião eles disseram (Nasa Park) que já tinham feito acordo com vários de vocês. Deram moto, sofá, geladeira, etc. Por isso, nós falamos para eles que, se fizeram acordo, que pegassem um Termo de Quitação com as pessoas e trouxessem para o MP”, escreveu o promotor na mensagem enviada às vítimas.
“Quero esclarecer que, quem assinar este Termo de Quitação estará automaticamente dizendo que não tem nada mais a pedir ou receber, seja de dano material ou moral. Ou seja, vamos entender que o acordo que fizeram com o Nasa já é suficiente e não pretendem qualquer outra indenização”, diz, ainda, a mensagem.
Conforme informações levantadas pelo Midiamax, na abordagem com uma das vítimas, o homem que representa o Nasa Park chega a dizer que o Ministério Público está dificultando que as vítimas detalhem e provem suas perdas, e ainda pressiona o morador a aceitar que o Nasa Park vá até a propriedade dele para realizar serviços em troca da assinatura de um documento.
“Ele (representante do Nasa Park) queria me obrigar a fazer um acordo”, diz o morador que teve a propriedade invadida pela água do lago. “Falou que eles queriam ir lá limpar a chácara, levar umas coisas. Limpar o que se eu já limpei tudo?”, desabafa a vítima.
Nessa abordagem, o representante do Nasa Park também quis oferecer móveis usados para o morador em troca do acordo.
“Uma questão é que o Ministério Público está exigindo também que essas pessoas apresentem notas da origem dessas despesas. Da sua casa eu sei dos danos que você teve lá, nós já até separamos para te levar geladeira, fogão, máquina de lavar roupa, tudo praticamente novo”, diz o homem a uma das vítimas.
O representante do loteamento ainda diz que a conversa é no sentido “de que nós possamos regularizar isso (o acordo) passo a passo, porque nós estamos com o dinheiro preso.” No dia 12 de setembro o juiz Daniel Foletto Geller determinou o bloqueio de R$ 35 milhões dos sócios das duas empresas responsáveis pelo empreendimento de luxo.
“Como é que nós vamos indenizar você? Como é que eu vou indenizar você, os seus bens, se o dinheiro está preso? Nós precisamos do termo de acordo para poder liberar e pagar o dinheiro, porque nós não temos acesso ao dinheiro. Como é que nós vamos fazer?”, argumenta o propositor do acordo ao morador.
Posicionamento dos citados
O Midiamax entrou em contato com o Ministério Público e com o Nasa Park para obter posicionamento de ambos sobre as informações dadas pelas vítimas entrevistadas.
Em nota, o MPMS informou estar à frente das negociações com os responsáveis pela barragem e que, em reunião de tratativas para uma solução consensual na última segunda-feira (25), “foi informado [ao MPMS] que já foram feitos acordos com várias pessoas, incluindo a entrega de bens como motos, sofás e geladeiras”.
Por conta disso, o órgão solicitou que os representantes apresentassem um Termo de Quitação assinado pelas pessoas que aceitaram esses acordos. Este documento deixa claro que não há mais nada a ser pedido ou recebido pelos assinantes – seja por danos materiais ou morais.
“A instituição esclarece que quem assinar o Termo de Quitação declarará que o acordo feito já é suficiente e que não pretende buscar qualquer outra indenização. Para aqueles que sofreram apenas danos ambientais, a recuperação será tratada em uma fase posterior. Os proprietários do local já estão elaborando um projeto para recuperar o rio em todas as propriedades afetadas”, diz nota do MPMS.
“O MPMS reforça que quem já recebeu algum bem e assinou um recibo específico não terá problemas. No entanto, não se deve assinar um Termo de Quitação Geral, renunciando a qualquer indenização futura. Até o momento, não foram apresentados documentos de Termo de Quitação Geral, apenas recibos de pessoas que aceitaram serviços ou pagamentos específicos”, orienta a instituição.
Até a última atualização, o Nasa Park apenas se comprometeu a responder os questionamentos da reportagem. O espaço segue aberto.
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*Matéria atualizada às 18h50 para acréscimo de posicionamento do MPMS.
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