Motoristas de MS relatam prazeres e desafios de quem escolheu a estrada como profissão

Mesmo em meio a adversidades, motoristas são enfáticos ao dizer que não trocariam de profissão

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Dia do motorista
Dia do motorista (Kísie Ainoã/ Jornal Midiamax)

Em 25 de julho é celebrado o “Dia do Motorista”, profissão essencial para a sociedade. Os motoristas desempenham diversas funções em nosso cotidiano, do transporte de mercadorias até o atendimento de emergências. Nesta reportagem, apresentamos uma série de depoimentos que revelam as alegrias e os obstáculos de quem escolheu as vias e rodovias como profissão.

A promessa da liberdade em fazer o próprio horário e ter mais tempo para estar próximo à família levou Micael da Cruz Soares, 23 anos, a optar pelo emprego como moto entregador em um aplicativo de delivery. Em pouco tempo, a profissão virou uma paixão que despertou também o interesse da filha, que ganhou até uma festa temática em homenagem à profissão do pai.

“Havia recém saído do quartel, estava desempregado e próximo do nascimento da minha filha. Precisava de um serviço rápido, então comecei como entregador. A vantagem era parar a qualquer hora caso tivesse algum imprevisto, estar à disposição da minha família se precisassem e trabalhar só o necessário em dias tranquilos”, relata.

Em 2021, com intuito de homenagear Micael, sua esposa Thays Juliana Martins, 24 anos, decidiu fazer uma surpresa inusitada que virou até notícia. Aos onze meses, a filha do casal, Isabella, ganhou uma festa de ‘mesversário’ com o tema moto entregador, com direito até a ‘mini bag’ igual à mochila usada pelo pai no dia a dia de entregas.

“A ideia da festa foi homenagear o esforço e dedicação dele à profissão. Sempre que o pai chegava ela queria subir na moto, às vezes só de ouvir o barulho. Quando fez um aninho ela pegava a mini mochila de entregador e colocava igual ao pai. Todo dia faziam uma ligação por vídeo para ela ver ele trabalhando”, relata Thays Juliana.

Sem benefícios e garantias comuns de empregos tradicionais, Micael encarava jornadas de trabalho exaustivas todos os dias, chegando a trabalhar 15 horas seguidas. A rotina começava às 7h da manhã e se estendia até às 21h. Nos dias em que a demanda por entregas era ininterrupta, mal sobrava tempo para ir em casa almoçar e ele acabava optando por ‘comer algo na rua’.

“Geralmente parava para almoçar durante uma ou duas horas quando ia almoçar em casa. Mas tinha dias que comia uma marmita na rua mesmo e já voltava para as entregas e tocava direto até de noite às 21 h”, explica.

Além dos riscos de acidentes de trânsito, Micael relembra que muitas vezes esbarrou com o preconceito, que o fazia sentir que sua profissão não era digna de respeito.

“Sentia o olhar de desprezo e a arrogância dos clientes. A forma que alguns me tratavam fazia me sentir ofendido por estar nessa profissão. Sem contar no trânsito, às vezes por conta de alguns acabamos sendo desrespeitados só por ser motociclistas”, relata.

Em 2023, Micael decidiu mudar de profissão. Com o crescimento da filha e com as inúmeras adversidades da profissão, ele optou por trocar a moto por um carro e mudou de área.

“Surgiu a proposta de trocar a moto por um carro. Pensando na minha filha e na família eu aceitei. Sem a moto fiz um curso de mecânica de carro e moto e comecei a trabalhar em uma oficina mecânica” explica.

Hoje longe da moto Micael confessa que sente falta da adrenalina proporcionada pela profissão.

“Foram muitas experiências boas. A adrenalina de estar na rua é indescritível e às vezes bate uma saudade. Sempre gostei de motos, passar o dia pilotando era também uma forma de terapia”, destaca.

Amor que passou de pai para filho

Dia do motorista
Carlos Roberto, taxista desde 1994 (Kísie Ainoã/ Jornal Midiamax)

Taxista há mais de 20 anos, a paixão de Carlos Roberto Araújo, 49 anos, pela profissão começou ainda criança. Influenciado pelo pai, desde pequeno ele sabia qual profissão iria seguir.

“Comecei no táxi em 1994 ao lado do meu pai. Foram mais de 20 anos no táxi com ele. Há um ano e meio ele se aposentou e eu continuei”, conta.

Segundo o motorista, dar continuidade à profissão do pai é gratificante e algo que ele pretende passar para os filhos.

“Sempre admirei a profissão do meu pai. Foi com ela que ele sustentou toda minha família durante anos. Por isso acho uma profissão importante”, diz.

Para Carlos, um dos maiores prazeres da profissão é poder conhecer diferentes pessoas e ouvir suas histórias.

“Aqui nesse carro já ouvi todo tipo de história. Conheci pessoas de vários lugares do mundo. Pra mim isso é uma das coisas mais legais da profissão”, ressalta.

Apesar das vantagens, Carlos ressalta que dirigir em Campo Grande às vezes é um desafio.

“Estou no trânsito de Campo Grande há 20 anos, já presenciei muita coisa. Muitos motoristas não respeitam as sinalizações, mas para quem está calejado não tem mais aquele stress”, afirma.

Com o surgimento dos aplicativos de transporte, a procura por táxi caiu significativamente. Carlos ressalta que no início foi difícil e muitos motoristas mudaram de profissão ou migraram para os aplicativos, mas para ele deixar de ser taxista nunca foi opção.

“No início, quando começaram a surgir os aplicativos, foi bem difícil para os taxistas. Hoje em dia está mais tranquilo, os aplicativos davam muito problema e as pessoas voltaram para o bom e velho táxi”, explicou.

Para quem viaja pelo país, o maior desafio é a saudade

Dia do motorista
Ronaldo Ramalho conheceu o Brasil como caminhoneiro (Kísie Ainoã/ Jornal Midiamax)

Há 15 anos, Ronaldo Ramalho, 35 anos, largou tudo para realizar o sonho de infância de ser caminhoneiro. Formado em administração, o caminhoneiro trocou o conforto de um escritório pela liberdade de sentir o vento das estradas.

“Sempre gostei de caminhão, era meu brinquedo favorito quando criança. De início comecei como entregador em mercados, depois fui para o caminhão e não larguei mais. Até fiz uma faculdade de administração, mas não me via em outro lugar que não fosse a estrada”, conta.

Com a profissão, Ronaldo conheceu o Brasil inteiro. Hoje ele mora em Presidente Epitácio, São Paulo. Lá ele vive com a esposa que está grávida e as duas filhas. Com uma rotina de mais de 12 horas na estrada nem sempre é possível visitar a família entre uma viagem e outra.

“Eu passo em casa quando consigo, às vezes dá certo dormir lá em outras não. Mas tento visitar eles pelo menos uma vez por mês”, destaca.

Mesmo vivendo o sonho de infância, o caminhoneiro destaca que a profissão é também solitária. Quando a saudade da família aperta e ele está há quilômetros de casa, o único meio é recorrer à chamada de vídeo.

“A saudade às vezes bate forte e a gente tenta matar do jeito que dá por ligação ou chamada de vídeo. Mas é o jeito que a gente tem de levar sustento para casa então desistir não é uma possibilidade”, relata.

Para Ronaldo, um dos principais desafios é ter apenas o caminhão como casa na maior parte do tempo.

“Tem lugares que não pode parar no posto de gasolina para descansar se não for abastecer ou consumir algo. Às vezes chego em um local e já está lotado, aí tenho que viajar horas até o próximo posto. Tudo isso dificulta ainda mais quando é um lugar desconhecido”, afirma o motorista.

Profissão de risco

Dados do sistema Sigo Estatísticas da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) apontam que em 2023 foram registradas 173 mortes no trânsito de Mato Grosso do Sul. Para quem trabalha nas estradas e avenidas, o risco de acidentes é ainda maior.

Dentre as vítimas registradas em MS, 121 eram homens e 48 mulheres. Outras quatro vítimas não tiveram o gênero informado. Vale ressaltar que os homens representam 63,43% do total de motoristas habilitados em MS, o que corresponde a 819.124 em todo o Estado. Já o número de mulheres habilitadas é de 472.158, ou seja, 36,57% do total.

Thays Juliana Martins, esposa de Micael, relembra que sempre que o marido saía para trabalhar surgia um sentimento de medo e insegurança por não saber se ele voltaria no fim do dia.

“Meu coração ficava apertado pelo receio que algo acontecesse. O Micael saía no sol, frio, chuva, não importava como estivesse o tempo ele estava disposto a ir trabalhar. Quando chegava contando algum acidente já agradecia a Deus por nada acontecer com ele”, conta.

Ronaldo Ramalho relata que além do risco de acidentes nas estradas, os caminhoneiros precisam conviver com o medo constante de roubos e assaltos.

“Eu já fui assaltado na estrada, tenho colegas também que já tiveram o caminhão roubado. Às vezes durante a parada para dormir, quando acorda levaram seu estepe ou sua mercadoria”, ressalta.

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