Mesmo com avanços, Campo Grande registra baixa adesão à prevenção do HIV
Muita coisa avançou no tratamento do HIV oferecido pelo SUS em Campo Grande. Mesmo assim, o conservadorismo ainda é principal barreira
Nathália Rabelo –
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Após 42 anos desde que se foi registrado o primeiro caso de HIV no Brasil – que culminou no surto de infecção em 1980 por falta de tratamentos eficazes e informação sobre contágio – pode-se dizer que o tratamento avançou muito graças aos investimentos científicos. Atualmente, medicamentos e métodos de prevenção são oferecidos gratuitamente pelo SUS em todo o país, inclusive em Mato Grosso do Sul. Recentes atualizações trouxeram ainda mais abrangência de acesso aos métodos, no entanto, Campo Grande não teve grande adesão e segue presa no eterno conservadorismo quando se fala de sexo, saúde e HIV.
Conforme pontuado pelo médico de família do CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) de Campo Grande, Roberto Paulo Braz Junior, um dos grandes avanços da medicina é a simplificação do medicamento para o tratamento do vírus. A partir de 2022, a equipe médica foi autorizada a prescrever o uso de apenas dois comprimidos ao invés de três, como ocorria anteriormente.
“Essa simplificação traz menos toxicidade ao paciente porque você retira um medicamento. É recomendável para os pacientes que estão indetectáveis, com o tratamento regular há mais de um ano, quem nunca teve uma falha terapêutica”, explica o especialista.
O termo ‘indetectável’ diz respeito à sigla I=I, ou seja, quando o vírus do HIV está indetectável no organismo e intransmissível para outras pessoas.
Ampliação do público para a PrEP
Além do tratamento do HIV, o SUS também distribui medicamentos para a prevenção da infecção. Um deles é o PEP (profilaxia pós-exposição), medida de urgência para ser utilizada em situação de risco, existindo também profilaxia específica para o vírus da hepatite B e para outras infecções sexualmente transmissíveis. Assim, a PEP pode ser utilizada após violência sexual, relação sexual desprotegida, acidente ocupacional e demais situações de risco.
A pessoa deve iniciar o medicamento em até 72 horas e tomá-lo por 28 dias. A PEP funciona como uma ‘pílula do dia seguinte’, mas para prevenir o HIV.
Já a PrEP (profilaxia pré-exposição) é um método de prevenção que consiste na tomada diária de um comprimido que permite ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV. Nesse caso, o método é comparado ao anticoncepcional, mas para prevenir o HIV. O tratamento deve ser regular.
É importante ressaltar que o protocolo da PrEP teve atualizações em setembro de 2022. A partir de então, foi aumentada a faixa etária e distribuição do medicamento.
Antes era permitida a distribuição somente para pessoas com 18 anos ou mais. Agora, a partir dos 15 anos, ele pode ser retirado pelo SUS. Portanto, adolescentes não precisam estar acompanhados dos pais ou responsáveis para pegar a PrEP, nem mesmo para fazer as consultas.
“A gente só entregava para população-chave, que seriam as populações mais vulneráveis ao HIV, como gays, homens que fazem sexo com homens, travestis, transexuais, profissionais do sexo e casais soro diferentes. Agora, o texto amplia para todas as pessoas que se sintam em risco ao vírus, independente da orientação sexual ou gênero”, ressalta Roberto.
Além disso, o atendimento foi descentralizado para facilitar o acesso ao medicamento preventivo. Anteriormente, a distribuição ocorria apenas no CTA. Desde setembro, sete Unidades Básicas de Campo Grande entregam a PrEP. São elas: Unidade Básica 26 de Agosto, Itamacará, Caissara, Albino Coimbra, Iracy Coelho, Noroeste e José Tavares.
“É uma unidade básica em cada distrito sanitário da cidade. Então, além do CTA, essas sete unidades estão distribuindo o PrEP também”.
Já a PEP contínua sendo distribuída em todas as unidades 24h e no CTA.
Campo Grande teve baixa adesão
Apesar da ampliação de público e dos locais, Campo Grande teve baixa adesão ao método preventivo de HIV. Portanto, manteve-se a mesma média dos usuários de PrEP de 2022 em relação a 2021.
“Apesar desses avanços, eu não notei nenhum impacto significativo, não. Até algumas semanas atrás, não tinha tido nenhuma dispensa de PrEP em nenhuma daquelas unidades básicas. Eu acho que as pessoas não sabem ainda e eu também não vi divulgação, que é o que falta ainda”, reflete o médico.
Roberto ainda ressalta que além da falta de divulgação desses avanços, as pessoas também não adotam os cuidados por causa de vários ideais errôneos sobre o assunto.
“As pessoas têm medo de fazer o teste, continuam com vergonha de fazer, têm medo de serem julgadas, de usar a PrEP e se achar promíscuo. E não é isso. É uma proteção e uma prevenção a mais, além de ser um direito que cada um tem de estar cuidando da saúde”.
HIV não é Aids
Isso mesmo, ter o vírus HIV no organismo não significa que esse paciente tenha Aids. O HIV (Human Immunodeficiency Virus) é o vírus que provoca a imunodeficiência humana.
Conforme a infecção pelo HIV avança, o sistema imunológico vai enfraquecendo até não conseguir mais combater outros agentes infecciosos. Quando isso acontece é que a pessoa desenvolve a Aids. Ou seja, a diferença entre HIV e Aids é que HIV é o vírus que pode, ou não, provocar a Aids (Acquired Immune Deficiency Syndrome). Isso depende exclusivamente do tratamento.
Quando uma pessoa tem a característica do HIV, mas faz o uso adequado dos remédios, ela não desenvolve a doença e o vírus fica indetectável no organismo. Assim, ela não tem sintomas e nem transmite o HIV. Portanto, é um estigma muito grande acreditar que uma pessoa portadora do vírus é uma pessoa doente. O HIV, então, é uma condição crônica, igual a diabetes.
Sexo não é um problema
Diante desse cenário, especialistas afirmam que portadores de HIV que estão em constante tratamento e acompanhamento podem ter uma vida amorosa e sexual tranquila. Mesmo se a pessoa soropositiva fizer sexo sem camisinha, ela não transmite o vírus para o parceiro.
“A pessoa com HIV pode ter uma liberdade afetiva e sexual sem nenhuma restrição. E eu sempre falo para os meus pacientes que se alguma pessoa rejeitar ela por conta da sorologia, é um livramento”, afirma Roberto.
HIV em Campo Grande 2022
Segundo os dados do Sistema SINAN e SICLOM de Campo Grande, foram diagnosticados 2.625 casos de pessoas com HIV e 3.351 com diagnóstico de Aids na cidade entre 2000 e 23/11/2022. Nesse mesmo período, foram registrados 772 casos de abandono de tratamento.
Já em relação ao uso da PrEP, o sistema aponta que 1.204 pessoas iniciaram o uso do método entre 01/01/2018 e 31/10/2022. Desse total, 589 descontinuaram o tratamento, enquanto a cidade contém 615 usuários ativos no momento.
Vale ressaltar que os principais adeptos da PrEP são gays e HSH (homens que fazem sexo com homens) cis, o que representa o equivalente a 89,6%. Mulheres cis entram na 2ª posição, com 7,0%. A principal faixa etária é de 30 a 39 anos.
Números de Campo Grande ainda apontam que 59% dos usuários de PrEP relataram terem tomado todos os comprimidos na última dispensação; 5% relataram trocar sexo por dinheiro, objetos de valor, drogas, moradia e serviço; 76% relataram terem usado álcool ou outras drogas nos últimos três meses.
“49% dos usuários que iniciaram PrEP, descontinuaram o uso da profilaxia em algum momento”.
Para o médico do CTA, a baixa adesão ao método preventivo é um problema de saúde pública na cidade, visto que o medicamento só tem eficácia quando grande parte da população vulnerável estiver em uso do método.
Camisinha não deve ser descartada
Apesar dos avanços em relação ao tratamento do vírus e também quanto às medidas de prevenção, a medicina não descarta o uso da camisinha para evitar outras ISTs, especialmente em pessoas que possuem múltiplos parceiros.
O que esperar do futuro?
Os avanços da medicina prometem um futuro cada vez mais promissor ao tratamento de HIV. Segundo o médico de família do CTA, o Ministério da Saúde já comprou uma patente para produção de tratamento simplificado em apenas um comprimido.
“Também foi aprovado na Europa o uso de um medicamento injetável para tratamento de HIV de longa duração. Então, já tem terapias já sendo testadas, como injeção com duração de seis meses. É uma realidade um pouco distante pra gente, mas isso integra uma expectativa futura”, ressalta o especialista.
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