Durante o tempo em que foi de dança e nos anos como instrutora de academias mistas, abertas para homens e mulheres, Jaqueline Cristina se viu diante de inúmeras situações que escancaravam o processo de objetificação do corpo feminino. Inevitavelmente, presenciou o desconforto de mulheres que se sentiam invadidas com olhares, insinuações e comentários constrangedores.

“Sentia que as mulheres ficavam desconfortáveis em dançar ao lado de homens e tinham receio por saber que eram observadas. Na , muitas se sentiam constrangidas em fazer certos exercícios porque os homens paravam para olhar”, conta.

No universo das academias, excessos partiam até mesmo de quem deveria, por obrigação, manter o profissionalismo. “Já vi professores dando em cima de alunas e nunca concordei com isso. Era revoltante”, acrescenta a educadora física.

Violência contra elas

Há 5 anos, o Studio Feminino Forma Fitness, em , se dedicar a atender somente público feminino. (Foto: Marcos Ermínio)

Inconformada, Jaqueline decidiu se retirar dos ambientes que a incomodava e deu início a um projeto para atender outras mulheres que se sentiam da mesma maneira. Hoje, a Academia Feminina Stúdio Divas, em Naviraí, é exclusiva para elas e atende em médio até 300 mulheres por mês. “Aqui é como um refúgio. O objetivo é que essas mulheres se sintam bem, empoderadas e não sejam vistas como um objeto”, relata.

No Estado com maior taxa de estupros registrados em 2020 e 2021, com média de 122 registros somente em 2022, espaços exclusivos para mulheres têm se tornado comuns e deixaram o tom meramente comercial para se tornar aliados na segurança e conforto do público específico.

“Quando eu treinava na academia mista, onde as mulheres passavam tinha homem olhando. Eles faziam reunizãozinha e comentavam sobre o corpo delas. Quando alguma ia fazer exercício para bumbum, ficavam em cima reparando. Era horrível, uma situação muito desconfortável”, relembra Jéssica Costa, de 31 anos.

A auxiliar financeira conta que, até mesmo do personal que a acompanhava, partiam comentários machistas que a diminuía. “Ele falava que eu não perdia peso e me desmotivava. Um dia saí da academia chorando, foi quando uma amiga me disse para conhecer um espaço que era só para mulheres”, completa.

Há 5 anos, o Studio Feminino Forma Fitness é opção para Jéssica e para mulheres de Campo Grande. A proprietária, Jaqueline Alves Tavares de Oliveira, conta a proposta da empresa nasceu da tranquilidade de se trabalhar com o público feminino. “Quem vem para cá, vem em busca de conforto. Somos uma família e aqui formamos amizades para compartilhar momentos da vida e uma cuidar da outra”, pontua.

Mulheres que treinam juntas, dizem ter encontrado segunda família em academia. (Foto: Marcos Ermínio)

Há 2 anos, Fabiana Quadros, de 33 anos, também optou pelo stúdio feminino. “Na academia unissex o homem não deixa a gente à vontade”, cometa. Já no espaço onde apenas mulheres podem treinar, ela diz ter encontrado tranquilidade. “Eu venho até em dias e horários que não estou treinando porque aqui encontrei minha segunda família”

 Para a vendedora, difícil mesmo é encarar o assédio que ainda é rotineiro fora da academia. “Quando a gente coloca uma roupa de academia, sempre tem um na rua para chamar de gostosa, dizer ô lá em casa. Sempre tem um homem para incomodar”, afirma.

Últimos casos

Em meio a violência desenfreada contra as mulheres, Campo Grande coleciona casos de abusos sexuais. Na semana passada, duas mulheres de 22 e 24 anos foram sequestradas e estupradas enquanto saíam de uma academia, no Bairro Conjunto União. O autor foi preso quando tentava se esconder em uma área de mata, perto da Força Aérea Brasileira.

No mês de junho, motorista de aplicativo foi preso temporariamente, em Campo Grande, por estuprar passageiras. O caso foi revelado após ele atacar uma passageira que estava ao telefone com o namorado, sendo que o ataque foi gravado e a vítima conseguiu fugir pulando pela janela.

(Foto: Henrique Arakaki, Midiamax/Ilustrativa)

Anuário de Segurança Pública

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado nesta semana traz como o estado que registrou maior taxa nos casos de estupro e estupro de vulnerável em 2020 e 2021. A taxa é referente ao número a cada 100 mil habitantes. 

Conforme a tabela, Mato Grosso do Sul teve taxas de 83 casos por 100 mil habitantes em 2020 e 86,5 em 2021. O número é sobre os crimes de estupro e estupro de vulnerável, juntos. Ao todo, foram 361 casos de estupro e 1.970 de estupro de vulnerável registrados em 2020. No ano seguinte, houve aumento, com 383 estupros registrados e 2.072 estupros de vulnerável.

Outro dado do Anuário aponta que a maioria das vítimas nos casos de estupro são mulheres. Em 2020, dos 361 registros, 324 foram contra mulheres. Em 2021, dos 383, 329 também foram contra vítimas mulheres. O mesmo acontece nos casos de estupro de vulnerável. Em 2020, das 1.970 vítimas, 1.640 eram do sexo feminino e, em 2021, 1.684 das 2.072 vítimas também eram do sexo feminino.