Promotora pede médicos das Forças Armadas e internações nas UPAs para combate ao coronavírus

A participação da titular da Promotoria de Justiça da Saúde de Campo Grande, Filomena Fluminham, em reunião do Comitê Estadual do Fórum do Judiciário para a Saúde durou cerca de uma hora. Contudo, sua exposição detalhada sobre o caos causado pela pandemia de coronavírus conseguiu, por unanimidade, aprovação da requisição de médicos das Forças Armadas […]

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A participação da titular da Promotoria de Justiça da Saúde de Campo Grande, Filomena Fluminham, em reunião do Comitê Estadual do Fórum do Judiciário para a Saúde durou cerca de uma hora. Contudo, sua exposição detalhada sobre o caos causado pela pandemia de coronavírus conseguiu, por unanimidade, aprovação da requisição de médicos das Forças Armadas e universidades para atuarem contra a Covid, bem como a instalação de 44 leitos clínicos para pacientes de coronavírus em 2 UPAs da Capital.

Além disso, proposta apresentada pelo procurador Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves, também foi avalizada para envolver os senadores sul-mato-grossenses em uma “força-tarefa” que busque no exterior medicamentos do kit intubação e outros insumos em falta no país. A ideia é repetir a mesma logística que levou, em 2020, o Exército à China para buscar EPIs (Equipamentos de Proteção Individual).

O Comitê Estadual do Fórum do Judiciário para a Saúde, conhecido como NATJus, reúne-se periodicamente para discutir temas da Saúde e sugerir ações para amenizar a judicialização do setor. Tal problema, porém, ficou em segundo plano, diante da necessidade de unir esforços contra a superlotação hospitalar, falta de medicamentos do kit intubação, anestésicos e relaxantes musculares em falta e providências a serem tomadas.

Filomena usou a palavra após Haroldo Souza, técnico do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) apresentar detalhes sobre uma cartilha elaborada pela Corte sobre pesquisa de preços de medicamentos, o que poderia ajudar na redução de gastos. De imediato, começou apresentando números e prazos que dimensionam a gravidade da situação causada pelo coronavírus na Saúde Pública de Mato Grosso do Sul.

Sesau só tinha kits intubação nas UPAs para mais 5 dias

Entre 2 e 23 de março, a promotora percorreu 8 hospitais e colheu informações sobre as demais unidades de Saúde. Nelas, embora a falta de vagas em UTIs ainda seja uma constante, ganhou a companhia de problemas como a falta de medicamentos. “Gostaria que fosse trazida essa questão premente, grave, para este debate”, solicitou ela.

Ela lembrou haver um compromisso do Ministério da Saúde enviar medicamentos para pacientes com Covid-19, inclusive os de intubação, para o Estado. A Coordenação de Regulação da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) alertou que o estoque dos kits intubação para as UPAs será suficiente apenas para os próximos 5 dias.

O quadro, porém, pode ser ainda maior: sem mencionar números, Cláudio César da Silva, superintendente do Hospital Universitário, informou na reunião que a previsão de entrega de kits intubação do Ministério também seria suficiente para apenas 5 dias, como tempo sendo ainda menor diante do socorro que unidades que têm os remédios prestam àquelas onde os itens se esgotaram.

A previsão é de que o fornecimento de medicamentos seja normalizado apenas em maio. Ou seja, serão necessárias alternativas para atravessar abril. O problema, destacou Cláudio, está no encarecimento dos produtos, que tiveram alta de até 6.000%. “Mas não é a questão de pagar R$ 1 mil em uma ampola. É que não existe no mercado”, contou, apontando o desabastecimento em nível nacional.

Filomena também advertiu dificuldades para operacionalizar novos leitos de UTI por falta de medicamentos e mão de obra. “Quando falamos em funcionamento não é só a estrutura física: sem medicamento, médico, enfermeiro e fisioterapeuta, não se viabiliza atendimento”. Há, neste momento, uma falta crônica desses profissionais à disposição.

Campo Grande viveu fim de semana ‘infernal’ nas unidades de Saúde

A promotora lembrou que, com o advento da segunda onda do coronavírus em dezembro, o Hospital Regional, referência no combate à Covid-19, chegou a 113% de ocupação dos 107 leitos à época (hoje são 118, mas a lotação se aproximou de 100%). Nem mesmo a ampliação de vagas tem sido suficiente para aplacar a situação.

Em janeiro e fevereiro, uma nova cepa e o resultado das aglomerações nos feriados de Natal e Ano Novo trouxe de volta a superlotação hospitalar. E a situação culminou com o fim de semana iniciado na sexta-feira anterior (19 de março).

“Na quinta (18) e sexta-feira houve o agravamento maior da crise, já evidenciando um possível colapso, com pacientes intubados nas unidades de pronto atendimento. Eram de 5 a 7 no dia 19 e, no dia 20, havia 19 intubados nas UPAs”, afirmou, sendo 4 deles com a ventilação manual (ambú).

Naquele instante, o HR completava 2 dias sem condições de receber novos pacientes em uso de oxigênio: os 118 leitos de UTI estavam ocupados e 24 pacientes usavam oxigênio em enfermarias, inclusive em ambú.

Entre sábado e domingo (21) foram 18 reuniões em busca de mais vagas em hospitais, abrindo-se 13 leitos clínicos na Santa Casa. Contudo, houve dificuldade para conseguir os profissionais de Saúde para dar suporte às vagas. Outros hospitais foram acionados para cederem profissionais, sem sucesso.

“Estamos em um momento difícil de contratação de médicos. A questão passa pela escassez de recursos, como era anunciado, e esse momento chegou”, relatou. Após muita insistência, foram deslocados 2 médicos e a Sesau enviou médicos residentes.

“Tenho de relatar isso para compreenderem que foi o fim de semana mais difícil, mas há 2 finais de semana somos acionados por hospitais, pelo HR e o interior”, contou a promotora. Os temas também são discutidos em audiências de conciliação em uma ação civil pública, aberta em dezembro, cobrando a abertura de vagas hospitalares.

UPAs Universitário e Vila Almeida poderão internar pacientes de Covid

A busca por vagas diante do cenário de caos permitiu a abertura de leitos clínicos em hospitais como a Santa Casa (48), São Julião (15) e HU (9). “Mesmo com o acréscimo de leitos, vivenciamos a situação no final de semana”, contou. O trabalho inclui, também, negociações para manter as unidades abertas e a busca de mais vagas.

Uma possibilidade é a abertura de 10 vagas em um hospital particular, o que depende de reformas na rede de oxigênio. Outra, que teve o aval do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) após o Ministério da Saúde baixar a portaria 447 em 17 de março, é a abertura de leitos de internação em unidades de pronto atendimento.

Assim, Filomena informou que podem ser abertas 44 vagas nas UPAs Universitário e Vila Almeida para acomodar pacientes de Covid-19. A Prefeitura de Campo Grande tem até 5 de abril para buscar operacionalizar as vagas clínicas, do contrário, poderá as abrir nas UPAs, que já tem indiretamente “segurado” doentes.

“Na segunda-feira, dia da audiência, estávamos com 16 pacientes intubados nas UPAs e 4 no ambú. No dia 23, eram 26 pacientes nas UPAs. Aumentou muito rápido. Ontem [quinta] chegamos a ter 23 intubados nas UPAs às 11h”, disse, relatando que o número costuma cair até o fim do dia, “muitas vezes por conta de óbitos”.

Nesta sexta, havia 17 pacientes de Covid nas UPAs “porque houve 6 óbitos nesta noite de pacientes intubados. Situação que não podemos admitir que continue desta forma”.

Promotora quer Forças Armadas e universidades cedendo profissionais de Saúde

Filomena Fluminham havia pedido a pauta para a reunião do NATJus antes de saber o cenário que enfrentaria no último fim de semana, esperando engajamento dos presentes na proposta para reforçar o sistema de Saúde.

Além da possível implantação dos leitos nas UPAs, desde que equipados, ela propôs a “requisição de profissionais de Saúde ao Exército, Marinha e Aeronáutica”. “Estamos precisando, além de médicos, de técnicos de Enfermagem, enfermeiros e fisioterapeutas”. O pedido também se estende às universidades.

“Fizemos levantamento de algumas universidades, UFMS, Uems e Uniderp, em que há cursos para residentes”, contou ela. Filomena destacou que se tratam de profissionais com qualificação que podem ajudar. Por fim, foi solicitado que os protocolos alternativos de medicamentos para analgesia e sedação, adotados nos maiores hospitais de Campo Grande, sejam compartilhados para contornar a falta de remédios.

Pedido foi aprovado por unanimidade e ganhou ingrediente político

O procurador do MPF (Ministério Público Federal) Pedro Gabriel Siqueira Gonçalves demonstrou pessimismo com as previsões do diretor do HU, uma vez que o Ministério da Saúde apontava tratativas com um laboratório para obter kits intubação, e a quantidade seria suficiente para poucos dias.

Segundo ele, a solução encontrada pelo Ministério da Saúde de centralizar as compras, na verdade, parece agravar a situação, “porque aí a distribuição para a ser em conta-gotas”. Ele também apontou que uma solução jurídica, como a ação civil pública movida pela Promotoria da Saúde, esbarraria no limite material de disponibilidade dos medicamentos.

“Então, a proposta que trago ao conselho é trazer a esfera política para ser nossa aliada”, informou.

Ele sugeriu contato com os senadores Soraya Thronicke (PSL) e Nelsinho Trad (PSD), que seriam politicamente próximos ao Governo Federal, “para intercederem no Ministério da Saúde e mobilizarem uma força-tarefa para buscarem o medicamento no exterior”.

Ele lembrou que houve flexibilização da Anvisa para a compra de remédios, inclusive da Índia (um dos principais produtores globais). Assim, seria possível “buscar diretamente no produtor, no exterior, os medicamentos, como foi feito com os EPIs”, lembrou. Segundo ele, a ideia partiu do titular da Sesau, José Mauro Filho.

“Pelo que vejo do cenário atual, o caminho mais factível para conseguir é ter o apoio da bancada política para que interceda e faça a missão para buscar os medicamentos”, disse, concluindo que “quando há vontade política, sabemos que acontece”.

Presidindo a reunião, o desembargador Nélio Stábile colocou as propostas em votação, sendo aprovas por unanimidade. “Vamos entrar em contato com as Forças Armadas a respeito das requisições ou disponibilização de médicos e também aos senadores para auxiliares nos medicamentos com a formação de uma força-tarefa”, disse, reforçando que, desde 2019, há contato com as universidades com finalidade semelhante.

Nesta sexta-feira, Mato Grosso do Sul superou a marca de 4 mil mortes por coronavírus: eram exatos 4.045 até o fechamento do boletim da Secretaria de Estado de Saúde, no fim da manhã. Dos 208.495 casos confimrados, 190.322 pacientes se recuperaram. Outros 12.984 pacientes estão em isolamento e 1.144 estão internados.

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