Nos supermercados, em 2021, a frase que perpetuou nos corredores e resume bem o que foi o ano foi esta: “Está tudo caro”. A alta nos preços dos produtos dos alimentos chocou os consumidores e preocupou as famílias. Nos pratos, ‘bifinho' de coxão mole teve que ser substituído pelo frango, depois pelos ovos, até chegar a pés de galinha e retalhos de carne vermelha.

A inflação já vinha em aumento progressivo desde 2020, no primeiro ano da pandemia do coronavírus. Em 2021, a situação se agravou em níveis extremos. Levantamento divulgado em fevereiro pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostrou que o preço da cesta básica teve alta de 0,36% no mês de janeiro e custava R$ 578,62 em Campo Grande.

Em oito meses, em outubro deste ano, a relação dos alimentos básicos custava R$ 653,40 na capital sul-mato-grossense — no mesmo mês em 2020, o valor era de R$ 520,12. Conforme subia o preço dos produtos da alimentação básica, a capacidade de compra do consumidor diminuía, já que a renda não acompanhava o ritmo de crescimento.

Foto: Marcos Ermínio/ Jornal Midiamax

 

“Vou ter que viver de sopa de pé de galinha”

Para as famílias que vivem na pobreza, a se fez cada vez mais presente. E sem comida, a quem recorrer? O desemprego também ‘contribuiu' para a falta de renda das famílias, o que fez os pedidos de ajuda aumentarem nas instituições de caridade. Por outro lado, as ONGs sofreram com a falta de doações para atender as pessoas que necessitam.

No ano passado, a situação de aumento da fome relacionada com a crise da pandemia já era realidade no Brasil. Em levantamento divulgado em setembro de 2020 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), constava que pelo menos 10,3 milhões de brasileiros viviam com insegurança alimentar grave.

Neste ano, a situação continuou. O benefício do auxílio emergencial ajudou na renda das famílias em situação de vulnerabilidade, mas o fim dele preocupou quem tinha que escolher o que não ia comprar por falta de dinheiro.

Morador de uma comunidade no bairro Noroeste, em Campo Grande, Luciano de Souza, de 46 anos, se emocionou ao contar sobre as dificuldades que enfrenta com a miséria e que não consegue cuidar da mãe, que precisa de muitos remédios.

O beneficiário afirmou ao Jornal Midiamax, na época, que também pega bicos para se garantir, como carpir terrenos. Com o fim do auxílio, ele afirmou que ia ter que escolher entre comer ou pagar os medicamentos da mãe. “Agora vou ter que viver de sopa de pé de galinha, é o que vai dar pra comer”, lamentou. 

Antes ingrediente para sabão, agora ‘mistura' do jantar

Outrora utilizados para fabricar sabão e praticamente doados nos açougues e supermercados, os restos de carne bovina passaram a ser itens diários na refeição de muitos campo-grandenses. Chamados de restos, aparos, retalhos, pelancas, entre outros nomes, essas partes do boi tiveram aumento exponencial de venda nos últimos meses.

Em setembro, o Jornal Midiamax percorreu uma das regiões mais pobres da Capital, no e, tanto em supermercados, quanto em açougues e casas de família, a percepção se repete: as pessoas mais pobres estão substituindo cortes tradicionais por restos de carne.

Foto: de França/ Jornal Midiamax

 

No caixa do supermercado em que Natália Araújo, de 34 anos, é responsável, ela diz que ouviu uma frase que até hoje ecoa em sua mente. “Não é mais pra fazer sabão, é pra comer mesmo”.

Kauane dos Santos, de 21 anos, desempregada, confirmou a triste realidade observada no comércio. Morando numa casa com mais sete pessoas, tudo é aproveitado e reaproveitado.

“Compro sempre uma mistura em conta, frango, salsicha e retalho. Ainda não chegou no osso, mas a pelanca a gente coloca no feijão e dá pra fazer óleo com ela. Você frita e o óleo dela você usa pra fazer outras comidas. Porque o óleo também está caro”, explica Kauani sobre como aproveita ao máximo o que consegue comprar no açougue

Já Mariluce Magalhães Siqueira, de 40 anos, contou que antes, quando podia catar coisas do lixão, que fica próximo ao local onde ela mora, sua mesa era mais farta que agora. “Eu tinha iogurte, arroz, feijão, tudo vinha do lixão. O que era lixo pra eles, pra gente não era”, relatou.

Black Friday do mercado

Se nos anos anteriores os consumidores buscavam na Black Friday a oportunidade de comprar aquele eletrodoméstico novo, aparelho celular ou móveis, neste ano, a data de promoções fez os moradores procurarem por descontos em itens básicos nos mercados. 

Um levantamento da Ebit/Nielsen apontou que 14% dos entrevistados procuram itens do segmento alimentício — são dois pontos percentuais a mais que no ano passado.

Já os ouvidos pela Neotrust apontaram intenção de comprar alimentos e bebidas na data em 17,6% dos casos. Essa é a primeira vez que a categoria de alimentos aparece na lista das 10 mais procuradas pelos brasileiros na Black Friday.

De acordo com o jornal Valor, o Google registrou aumento de buscas que associavam Black Friday a produtos de supermercado. Por isso, grandes redes resolveram investir na data, mas que não empolgou em Campo Grande

Foto: Fábio Oruê/ Jornal Midiamax

 

Apesar de continuar nas alturas e muito pouco acessível, os itens da cesta básica tiveram uma queda em novembro. Pesquisa feita pelo Dieese mostrou que o custo teve queda de 1,26% na Capital. O valor da relação dos alimentos básicos custava R$ 645,17 no mês passado, a 6ª mais cara entre as capitais analisadas.

O resultado se deu graças à redução no preço da carne bovina (-2,19%) e do leite integral (-3,12%), apontados como vilões pelos consumidores. Os itens que apresentaram as maiores reduções no preço foram: tomate (-9,48%), seguido por leite de caixinha (-3,12%), carne bovina (-2,19%), batata (-1,83%), feijão carioquinha (-1,09%) e arroz agulhinha (-0,47%).

Este ano foi marcado principalmente pela incerteza da comida no prato para muitos campo-grandenses, que no momento de necessidade precisaram ‘se virar nos 30' para ter o que comer. Situação que não é justa, mas que é uma realidade na Capital.