Qual seria a relação entre a deficiência física, motora, intelectual e afins com a vaidade? Por que a indústria da moda, beleza e estilo de vida ainda não visualizou esse público como foco? Começar esta matéria com estas perguntas foi inevitável, pois realmente elas vieram à minha cabeça após ler o post no da jovem Jornalista Sarah Santos, 23 anos. Na foto da publicação, ela está de perfil e são possíveis ver a plenitude de uma menina-mulher em paz consigo mesma e sua condição física em destaque, como de costume.

O texto, muito bem escrito por sinal, é um convite à reflexão. Nele Sarah se abre com seus seguidores sobre a falta que faz a indústria perceber o potencial que o mercado das pessoas com deficiência tem. Veja a publicação:

Precisamos falar da vaidade da mulher com deficiência. Nessa indústria da moda e da beleza, não há espaço nenhum para…

Publicado por Sarah Santos em Segunda-feira, 6 de janeiro de 2020


Inspirado em seu texto, na clareza que lida com sua realidade e a forma despojada de falar sobre um assunto considerado tabu por muita gente, resolvemos saber mais sobre o tema. O papo rendeu e temos uma entrevista muito interessante para aprendermos mais com Sarah, que tem muito a ensinar com seu estilo de vida solar, belo e inspirador.

 

Entrevista 

Sobre seu post: “vaidade feminina para mulheres com deficiência”, como se deu o insight de abordar publicamente este assunto?

Há algum tempo, eu tenho esse hábito de levantar alguns temas relacionados ao universo das pessoas com deficiência em diversos espaços e, dentre eles, a Internet. O insight de falar sobre a vaidade da mulher com deficiência surgiu quando eu me arrumava para a festividade de ano novo! Na frente do espelho, passando maquiagem, pensei sobre o fato dessa ser uma realidade que muitas das mulheres com deficiência não vivem, justamente pela falta de . O movimento de pessoas com deficiência costuma falar sobre pautas como acesso à saúde, educação e combate ao preconceito. São pautas fundamentais para as pessoas com deficiência, obviamente, mas sinto falta de ver essa comunidade discutindo questões como a sexualidade, os relacionamentos, o convívio social e outras questões mais subjetivas da vida da pessoa com deficiência, mas que também influenciam diretamente na sua qualidade de vida.

“Precisamos falar da vaidade da mulher com deficiência”, com Sarah Santos
Nunca duvide dos poderes de uma Fada Sensata (foto: Leandro Marques)


Como você vive essa realidade? Sua vaidade, seu estilo e seu corpo?

Por muito tempo, até a adolescência, tive uma relação conflituosa com o meu próprio corpo. Acredito que nesses últimos anos os padrões de beleza se tornaram muito mais fluídos, antes, eu via como preto-no-branco. Então, por não fazer parte desse “grupo”, ainda quando criança, eu me diminuía e não me sentia bem comigo mesma.

Na adolescência, tive amigas que me ensinaram sobre maquiagem, cuidados com os cabelos e outros rituais cosméticos. Passei por uma fase em que era obcecada por estar sempre bem arrumada, até encontrar o equilíbrio ideal, em que fazia o que realmente tinha vontade e quando aprendi a gostar mais de mim mesma.

Hoje, acredito ter uma relação muito saudável com o meu próprio corpo. Olho no espelho e me sinto satisfeita com todo o conjunto, com as cicatrizes, a deficiência, os traços que não estão dentro do modelo ideal de beleza. Confesso que, particularmente, sou uma pessoa bastante vaidosa, consigo me curtir e ter o meu momento em todo esse processo, e eu acho que a vaidade tem que ser para isso! Mais para olhar mais para si mesma e gostar do que vê e menos para preencher os pré-requisitos do que é belo para a sociedade na qual a gente vive.

“Precisamos falar da vaidade da mulher com deficiência”, com Sarah Santos
Sarah Santos compartilha mais histórias em seu perfil @soupassarinha , no Instagram.


Você tem noção da importância do seu “desabafo”? A representatividade que suas palavras carregam? 

As minhas manifestações nas redes costumam ser bastante espontâneas, de insights corriqueiros que tenho à partir das minhas vivências sendo uma mulher com deficiência. No entanto, tenho consciência de que existe um público de pessoas sem deficiência que não ouviram sobre esses assuntos ainda e, claro, de pessoas que, por possuírem uma deficiência, permanecem longe desse universo da moda, dos cosméticos e rituais de autocuidado. A Internet é um espaço usado para tantas coisas ruins, creio que também podemos levar informação de qualidade para as pessoas por meio dela.


Como seria a moda ideal pra você? O que mais sente falta nas lojas para vender?

A moda ideal seria acessível para todas as pessoas, independente das suas condições físicas e intelectuais. No Brasil, de acordo com o IBGE, somos 23,9% de pessoas com deficiência. No mundo, segundo a OMS, somos 10% da população. Não são poucas pessoas e esses indivíduos consomem produtos de todo o segmento. Para mim, o ideal seria que a indústria da beleza e da moda compreendessem essa demanda e buscassem atender às pessoas com deficiência de maneira efetiva. Não vemos lojas, salões de beleza, spas ou sites de vendas desses produtos com acessibilidade. As marcas não estão preocupadas com inclusão e representatividade de pessoas com deficiência, salvo raros casos.

Hoje, vez ou outra, encontramos alguns empresários interessados em oferecer um produto mais acessível para pessoas com deficiência. Ainda assim, já que a oferta é pouca, o preço se torna alto. Precisamos de um mercado que abrace essa causa e trate a pessoa com deficiência como um consumidor. Todos têm a ganhar com isso.

“Precisamos falar da vaidade da mulher com deficiência”, com Sarah Santos
Batom vermelho e sorrisão: melhores estampas! (foto: Leandro Marques)


O que fazer para realçar o que seja melhor em si, através de sua experiência?

Esse processo para mim é muito pessoal. Sou uma pessoa que se interessa por moda e cuidados com o cabelo, já para maquiagem, não ligo tanto. E tudo bem. Eu acredito que a nossa experiência com a aparência tem que ser saudável e, acima de tudo, de carinho consigo mesmo. Tenho dias em que estou mais disposta a me produzir e dias que não tenho a mesma vontade. Dessa forma, a moda e os cosméticos se tornam ferramentas para realçar os traços de mim que mais gosto e não me torno uma escrava desses produtos. Creio que o mais importante é manter o equilíbrio e buscar consumir de marcas que valorizem as diferenças de maneira geral.

Acho importante salientar, também, que aqui em eu e outras mulheres com deficiência não encontramos muitas alternativas desses locais para frequentar e isso limita muito. A mulher com deficiência também vai para festas, encontros, se casa, precisa relaxar ou quer fazer “banho de loja”. Infelizmente eu acho que, culturalmente, não temos o hábito de prestar atenção nas diferenças e em criar ferramentas para construir novos espaços, em que todos sejam aceitos e bem recebidos.

Ouvi aplausos??! 

Siga seu Instagram, o @soupassarinha, onde ela fala sobre diversos outros assuntos do universo das pessoas com deficiência