Há cerca de um século, os moradores de Mato Grosso do Sul (na época ainda Mato Grosso) enfrentaram uma pandemia de espanhola. A doença fez centenas de mortos no estado e, assim como a pandemia de coronavírus, deixou sequelas nas comunidades indígenas. Documentos da época mostram que os indígenas não tinham assistência nas aldeias de MS. 

Em artigo publicado na revista Visa Em Debate, a pesquisadora Manuela Areias Costa, da (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), mostrou as semelhanças entre as pandemias de gripe espanhola e no Estado. Ela cita que não existem dados oficiais que apontem o número de indígenas que perderam a vida em razão da epidemia em 1918.

“Nota-se uma invisibilidade sobre o alastramento da doença em seus territórios, pois essa questão foi negligenciada pelas autoridades públicas e os meios de comunicação da época”. 

Documentos da época mostram que os povos indígenas reivindicavam políticas públicas para combate à pandemia, mesmo naquela época. Em novembro de 1918, o jornal O Matto Grosso publicou uma nota com as reivindicações das comunidades. 

Na pandemia de coronavírus, a história se repete: indígenas continuam pedindo a atenção das autoridades, diante do alto número de mortes nas aldeias. Em Mato Grosso do Sul, 3,3 mil indígenas já foram infectados pelo coronavírus e 68 morreram. 

A cidade com mais casos entre indígenas é , são 895 casos confirmados e 21 mortes nas comunidades. Em segundo lugar, a cidade de Miranda tem 746 casos e 11 mortes de indígenas. Já Sidrolândia tem 453 casos e três mortes. 

Os casos de coronavírus começaram a se espalhar nas comunidades indígenas de Aquidauana principalmente depois da realização de um evento dentro de uma aldeia. Um grupo de ONGs (Organizações Não-Governamentais) que atuam junto a populações indígenas e minorias em Mato Grosso do Sul cobrou investigações sobre a responsabilidade de integrantes do Governo do Estado. As entidades pediram que o Ministério Público Federal apure relação entre um evento público realizado em 2 de julho na Aldeia Taunay-Ipegue e o surgimento de casos positivos de Covid-19 entre os indígenas.

No mês passado, lideranças nas aldeias chamaram a atenção para o descaso com as saúde dos indígenas. Com poucos nas comunidades, os voluntários do programa Médicos Sem Fronteiras chegaram a ser proibidos de atuarem nas aldeias.

“Nota-se uma ausência de políticas públicas e invisibilidade sobre o alastramento da doença em territórios tradicionais. A pandemia de coronavírus escancara a desigualdade social no país e, por meio desta, encontra as condições ideais para atingir as populações historicamente menos favorecidas”, afirma a pesquisadora da UEMS.