Mesmo com a avalanche de denúncias, ilegalidades nas vistorias veiculares continuam sendo flagradas no (Departamento Estadual de Trânsito de MS). Em um dos casos ao qual a reportagem teve acesso, há uma lista de supostas irregularidades e até eventual crime de prevaricação, em uma novela que se arrasta desde 2012.

Uma das suspeitas é de que as práticas ilícitas são adotadas para acobertar erros e crimes cometidos nos últimos anos no órgão estadual.

Desta vez, foi um servidor aposentado quem acabou no prejuízo de quase R$ 6 mil reais, após ter sido, segundo garante, orientado no pátio do Detran-MS a realizar uma solda no bloco do motor de um Corsa Sedan, próximo à numeração, para conter vazamento de óleo.

O contribuinte conta que a recomendação teria sido feita em 2012, por um servidor do pátio que, após o reparo, ainda aprovou o veículo em vistoria. Mesmo com a intervenção (solda) podendo ser considerada adulteração, ele exibe o laudo que comprova a vistoria com a aprovação. Na ocasião, o veículo não foi apreendido, conforme determina a legislação.

Vista grossa? Veículo adulterado é liberado no Detran-MS várias vezes desde 2012
Detalhes de fotos em laudos feitos no pátio do Detran-MS: acima, sem a solda. Abaixo, com a solda. O veículo foi aprovado (Foto: Reprodução)

Com a adulteração ‘esquentada' pela vistoria oficial do Detran-MS, o veículo circulou normalmente em e conseguiu, inclusive, ser aprovado em nova vistoria, desta vez em 2015, quando o procedimento tornou-se, então, obrigatório para obtenção do licenciamento de veículos em MS.

A irregularidade não foi identificada e, mais uma vez, o veículo não foi apreendido. Quatro anos depois, em março de 2019, no entanto, o cenário mudou.

O aposentado vendeu o veículo para um morador de Iguatemi, que levou o carro para a vistoria obrigatória da transferência em agência de trânsito do Detran-MS da cidade. Lá, finalmente ele teve o procedimento reprovado por ter sido constatado que o decalque do número do motor não conferia com ‘morfologia idêntica à original'.

Apesar de a irregularidade gravíssima ser constatada, novamente, não houve apreensão do carro, como determina a legislação. Segundo o Código Penal no artigo 311, é crime com pena de três a seis anos e multa “adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento”.

Além disso, desde 1996, deve responder pelo mesmo crime o funcionário público que “contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado”. E, exatamente para escapar desta punição, a suspeita é de que procedimentos ilegais realizados nos últimos anos estariam sendo acobertado atualmente por novas ilegalidades quando veículos adulterados já ‘esquentados' no passado voltam a precisar de vistoria.

Código Penal Brasileiro – Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940
Art. 311 – Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 1º – Se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é aumentada de um terço. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

§ 2º – Incorre nas mesmas penas o funcionário público que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou informação oficial. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)

Foi o que aconteceu com o aposentado. Ele recebeu o veículo de volta em Campo Grande, para fazer a regularização e, no início deste mês, levou o veículo ao Detran-MS em busca de orientação, já que acreditava que o carro estava regular e que algum erro fora cometido.

Lá, ele conta que foi orientado pelo diretor de Veículos do Detran-MS, Agrícola Pedroso, a reparar o motor, trocando o bloco. Com o procedimento, a peça principal (e mais cara) do conjunto propulsor do carro simplesmente foi alterada por outra. Pela quarta vez, o veículo não sofreu apreensão e o objeto de investigação de suposto crime, que seria o bloco adulterado, saiu liberado da sede do órgão estadual.

Vista grossa? Veículo adulterado é liberado no Detran-MS várias vezes desde 2012
Aposentado teria sido orientado por funcionários a soldar motor, o que configurou adulteração do veículo (Foto: Guilherme Cavalcante | Midiamax)

O aposentado buscou uma oficina na Capital, e efetuou o devido reparo do bloco do motor, ao custo de quase R$ 6 mil. Foi nesta ocasião, portanto, que ele foi informado pelos mecânicos sobre todas as irregularidades que ocorreram de 2012 até o momento.

“Não tinha noção de que tanta coisa errada tinha acontecido até me alertarem. Mas ainda tive um prejuízo enorme, de mais de R$ 6 mil, sem falar na documentação. Quero entender porque, lá atrás, aprovaram esse carro. Alguém comeu barriga e poderia ter sobrado pra mim”, conta o aposentado.

Detran-MS: sob suspeita e calado

A reportagem acionou o Detran-MS e aguarda manifestação, não só sobre este caso, como sobre quatro outras situações envolvendo reportagens sobre suspeitas de irregularidades cometidas por servidores e funcionários comissionados no órgão público.

Há no MPMS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul) e na Justiça Estadual de MS ações e procedimentos investigatórios em andamento sobre denúncias de ilegalidades no serviço de inspeção e vistoria veicular e registro de documentação e multas.

Além disso, licitações e contratos do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul foram alvos da Operação Antivirus, que prendeu o ex-diretor do órgão, eleito depois deputado estadual, Gerson Claro Dino (PP) e a cúpula do Detran-MS. Na ocasião, 17 se tornaram réus por suspeita de corrupção no órgão e respondem na justiça.

Em setembro, o desembargador Vladimir Abreu da Silva, suspendeu o bloqueio de bens de Gerson Claro e dos ex-diretores do órgão, Gerson Tomi e Donizete Aparecido da Silva.

O ex-Corregedor de Trânsito do órgão, delegado de Polícia Civil Fernando Villa de Paula, foi dispensado da COTRA (Corregedoria de Trânsito) após ser flagrado, em vídeo, dizendo que flagrantes de ilegalidades em vistoriadoras seriam ‘montagens para foder as empresas'. Ele responde na Corregedoria da Polícia Civil de MS pelo flagrante, mas o procedimento aguarda andamento.