Assessoria

Com importância inquestionável na fauna sul-mato-grossense, os peixes que vivem nas bacias dos Rios Paraguai e Paraná estão na mira de pesquisadores do Laboratório de Ictiologia da em pesquisas que pretendem mapear quantos são, quais são, onde estão e qual é o estado de conservação de cada espécie.

Coordenado pelo professor Fernando Carvalho, do Instituto de Biociências (INBIO), o objetivo do trabalho é reconhecer, com exemplares-testemunhos, todas as espécies de peixes do estado de Mato Grosso do Sul. O projeto de pesquisa é financiado pela Fundect.

“Compreendido por duas bacias hidrográficas, metade das águas no estado está na bacia do alto rio Paraná e a outra metade na bacia do alto rio Paraguai. Normalmente, as bacias hidrográficas têm espécies de peixes distintas, cada bacia tem a sua história e essa história reflete as espécies de peixes que lá habitam”, explica o professor.

Coleção de peixes da UFMS/ZUFMS

O levantamento será feito a partir de material depositado em coleções científicas no estado, como a Coleção Zoológica da UFMS (ZUFMS), e de outros estados que historicamente receberam material de peixes coletados em águas sul-mato-grossenses, como a coleção DZSJRP (Departamento de Zoologia e Botânica ) do IBILCE/UNESP (São José do Rio Preto, SP), MZUSP (Museu de Zoologia da USP, São Paulo, SP), o NUP (Núcleo de Pesquisas em Limnologia Ictiologia e Aquicultura, Nupélia – UEM, Maringá, PR), MCP (Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS, Porto Alegre, RS), UFRGS (Departamento de Zoologia da UFRGS, Porto Alegre, RS), entre outras.

“É importante mantermos uma coleção científica de peixes aqui no estado. A ZUFMS é pequena, regional, mas pretendemos aumentar seu acervo com os trabalhos em andamento. Precisamos valorizar esse acervo na Instituição, porque a coleção é um museu histórico de organismos que ficam depositados e tem durabilidade secular”, afirma o professor.

A maior parte da coleção de peixes da UFMS é de espécies das drenagens do estado de Mato Grosso do Sul. Os estudos começaram com o professor Otávio Froehlich, que trabalhava especialmente com história natural e tem agora continuidade com o professor Fernando Carvalho, que se dedica a história, diversidade e evolução desses peixes.

Além da análise dos peixes em coleção, professor Fernando pretende também fazer algumas coletas adicionais em riachos e rios, em três regiões: norte e oeste, contemplando a bacia do alto rio Paraguai e leste, na bacia do alto rio Paraná. Dados do sul do estado serão obtidos em estudos já realizados pela UEMS e UFGD.

“A partir de todos esses dados iremos montar a lista com todas as espécies, pois é importante sabermos o que tem, onde tem e como estão, ou seja, será que as espécies estão igualmente distribuídas no estado?, Há espécies que ocorrem em somente um ou poucos lugares? Há espécies endêmicas, ameaçadas? Estas e outras particularidades serão investigadas”, completa o pesquisador.

Em um outro projeto de pesquisa, financiado pelo CNPq, o professor fará o estudo das espécies na bacia do alto Paraguai, que compreende todas as drenagens que estão acima do encontro do rio Apa com o rio Paraguai, incluindo áreas dos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, além do Paraguai e Bolívia.

Riqueza ictiológica

Mato Grosso do Sul tem mais de 350 espécies de peixes conforme trabalho publicado por Froehlich e colaboradores em 2017, como parte do Programa de Ciência, Tecnologia & Inovação em Biodiversidade do Mato Grosso do Sul (Biota-MS). No entanto, estes números estão desatualizados e a nomenclatura de algumas espécies mudou, segundo Fernando, e é preciso que seja feita uma atualização da lista, com certificação da existência de parte dessas espécies de peixes por exemplares testemunhos, associando a espécie com espécimes em coleção e não simplesmente uma citação em literatura.

“Pretendemos amostrar áreas que tenham poucas coletas, poucas informações de ocorrência de peixes. As áreas com maior concentração de coletas estão próximas à , Dourados e Corumbá, além de alguns outros pontos isolados no estado. No Pantanal, por exemplo, na região do Serra do Amolar onde a logística é complicada, as coletas são quase que inexistentes”, aponta.

O professor, que visitou recentemente a região da Serra do Amolar, ficou impressionado com a riqueza dos ambientes e dos peixes dessa área conservada do Pantanal, isso em virtude da dificuldade de acesso ao local. “O resto do estado está muito alterado e as espécies de peixe respondem às alterações. Espécies sensíveis, que dependem da floresta, por exemplo, somem, desaparecem se há desmatamento e assoreamento dos canais dos riachos e rios”.

A história de uma linhagem biológica, como das espécies troglóbias e endêmicas de cavernas da Serra da Bodoquena – o cascudo Ancistrus formoso e o bagrinho Trichomycterus dali, podem se tornar extintas se algum dano ambiental alterar drasticamente seus habitats, segundo o especialista.

São casos que requerem mais atenção, conhecimento e cuidado. “Agora se discute muito aqui no estado a cota zero para pesca amadora. No entanto, sabemos que a pesca não é o principal e único problema da diminuição dos peixes nos rios de Mato Grosso do Sul. Se não for cessada a entrada de agrotóxico nos rios, o aumento das áreas de assoreamento, o depósito de rejeitos nos rios, como o provocado pelas mineradoras em Corumbá e o próprio desmatamento, não há como manter as espécies em abundância nos rios”, assegura Fernando Carvalho.

Descobertas

Recentemente, uma espécie de lambari descrita em 1911 para o rio Paraguai em Corumbá (MS), foi encontrada na bacia do alto rio Paraná em Costa Rica (MS). O trabalho desse registro está em elaboração pelo mestrando Douglas Lopes da Biologia Animal da UFMS, que a encontrou, em um primeiro registro, no córrego Indaiá, afluente do rio Sucuriú, bacia do alto rio Paraná.

Se as espécies de peixes são endêmicas em uma bacia, como podem surgir em outras bacias? “Essa ocorrência se explica pela proximidade das cabeceiras das bacias em terreno muito suave como temos aqui em Mato Grosso do Sul com as bacias do alto Paraguai e alto Paraná. A conclusão é que essa ocorrência é natural e reforça que houve, num momento recente, o compartilhamento de fauna entre bacias por captura de cabeceiras ou águas emendadas”.

Esse foi um caso natural de aparecimento de espécie nativa, mas há casos da presença nos nossos rios de espécies exóticas e/ou alóctones às bacias. Essa é também uma das preocupações dos pesquisadores, como a presença de raias (Potamotrygon) nos rios de Três Lagoas depois da inundação das cachoeiras de Sete Quedas em Guaíra (PR) pela UHE de Itaipu.

“Toda espécie exótica e/ou alóctone ocupa nichos de espécies nativas e uma vez instaladas sempre levam vantagem, porque as nativas já estão ajustadas as interações ecológicas entre elas, mas as exóticas/alóctones não. Quando chegam, as espécies nativas não reconhecem suas estratégias de alimentação, de reprodução, então não sabem como evitar uma competição/predação, por exemplo. As exóticas chegam e dominam a área”, pontua o professor.

Outra espécie alóctone que chegou em Mato Grosso do Sul na bacia do alto rio Paraguai é o peixe amazônico tucunaré (Cichla spp.), que pode ser encontrado nas bacias dos rios Taquari e Piquiri. É uma espécie introduzida extremamente veroz, piscívora, que quando presente afeta profundamente todas as outras espécies nativas.

“Aqui temos peixes como o lambari mato-grosso, um dos mais conhecidos no mundo do aquarismo, espécie nativa das bacias do estado. Para quê trazer tucunaré, corvina (Plagioscion squamosissimus), pirarucu (Arapaima gigas) para os nossos rios? Só a partir do momento que conhecermos nossas riquezas, muitas vezes únicas, passaremos a preservá-las. Temos a obrigação de cuidarmos das nossas espécies. São linhagens históricas, são vidas que merecem o mesmo respeito que nós. Venceram tantos desafios ao longo de milhões de anos de evolução e, de repente, por ignorância, acabam extintas para sempre do planeta”, afirma o professor Fernando Carvalho.

A lista das espécies de peixe ameaçadas de extinção no Brasil apresenta, em Mato Grosso do Sul, três espécies ameaçadas ou vulneráveis (o cascudo e o bagre da caverna e uma violinha), três espécies quase ameaçadas (os grandes peixes do Pantanal: pintado, pacu e jaú) e oito com dados insuficientes (não se tem informações sobre elas), que incluem espécies de peixes pequenos. Conhecer, catalogar e gerar conhecimento técnico sobre essas entidades biológicas proporcionará a manutenção e preservação dessas linhagens no planeta.