Com acesso às universidades, indígenas conquistam diploma e independência
Concluir o ensino superior e ter um diploma de graduação continua sendo o sonho de muitos brasileiros. Se formar médico, advogado, dentista, enfermeiro ou professor após anos de dedicação em bancos de universidades é desafio para a maioria dos brasileiros, e entre eles está uma parcela da população que enfrenta ainda mais obstáculos para conquistar […]
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Concluir o ensino superior e ter um diploma de graduação continua sendo o sonho de muitos brasileiros. Se formar médico, advogado, dentista, enfermeiro ou professor após anos de dedicação em bancos de universidades é desafio para a maioria dos brasileiros, e entre eles está uma parcela da população que enfrenta ainda mais obstáculos para conquistar o sonho da graduação: os indígenas brasileiros.
Para Andrea, estar em uma universidade é mais assustador do que para qualquer adolescente que se forma no Ensino Médio e inicia uma nova fase na vida escolar. Assim que ingressou no ensino superior, enfrentando todas as dificuldades de sair de uma aldeia distante no interior de Mato Grosso do Sul, a indígena teve que lidar com outra dificuldade, o preconceito.
“Eu nasci em Nioaque, na Aldeia Cabeceira, que fica a 7 quilômetros da cidade. Sou índia terena e chegar ao sétimo semestre, para quem nunca saiu de uma aldeia, foi muito difícil. Ninguém queria fazer trabalho em grupo com a índia da sala, por isso acabei excluída e isolada. Mas eu tinha um objetivo”, conta Andrea Marques Miranda, de 36 anos, que está prestes a concluir o curso de Enfermagem.
A maior ambição de Andrea é concluir o ensino superior. Permanecer quatro anos morando na casa de parentes do marido – que também é indígena e acadêmico de Educação Física – tirou um pouco da privacidade do casal. Enfrentar todo o preconceito da sociedade e ainda a dificuldade em não conseguir trabalhar e estudar poderia ser motivo suficiente para desistir, mas o foco de vida da terena envolve muito mais que o próprio sonho.
“Vou me formar em enfermagem porque sempre quis ajudar as pessoas, o meu povo. Meu marido e eu viemos para cá com um objetivo, que é terminar o ensino superior. Depois, espero conseguir arrumar serviço em algum hospital perto da minha aldeia e ter a oportunidade de trabalhar lá”, afirma.
Conforme dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010, há no País, 817.963 indígenas, representando 305 etnias diferentes e 274 mil línguas. Levantamento realizado pelo DSEI (Distrito de Saúde Indígena de MS) revela que, em Mato Grosso do Sul há 83.434 indígenas, 8 etnias e 99 aldeias. As cidades do Estado com maior população de índios, conforme o IBGE, são: Amambai (7.225), Dourados (6.830), Miranda (6.475) e Campo Grande (5.898).
Acesso facilitado à universidade
Não faz muito tempo que o ensino superior passou a se tornar viável para os indígenas de Mato Grosso do Sul. Muitos até saíam de suas aldeias, arrumavam um local para ficar, iniciavam o curso e, por uma série de situações, paravam antes de concluir o primeiro ano.
Mesmo com uma bolsa de estudos vinha uma série de adversidades que impediam a continuidade do ensino superior. O preconceito na sala de aula, a insegurança, falta de apoio e até de dinheiro para imprimir xérox para disciplinas eram obstáculos grandes demais a serem superados.
Pensando em uma alternativa para que esses indígenas permanecessem nas universidades, em 2005, o coordenador do Neppi (Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas) da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), Antônio Brand, em parceria com o antropólogo Anônio Carlos Souza Lima, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), criou o projeto Rede de Saberes, que tem como objetivo principal a permanência de estudantes indígenas no ensino superior.
Muito mais que ajuda
Atualmente, na UCDB, localizada em Campo Grande, há 100 alunos indígenas matriculados. O projeto disponibiliza aos acadêmicos um espaço com salas de estudo, informática, impressora e um ambiente decorado com artesanato. A ideia, conforme a atual coordenadora do projeto e professora universitária, Eva Maria Luiz Ferreira, é atender a uma série de reclamações que muitas vezes levava o indígena a desistir do curso superior.
“Os alunos reclamavam que não tinham um lugar para estudar. Aí criamos esse espaço, que oferece cadeiras, mesas, computadores e impressora. Eles reclamavam que não sabiam como usar o computador, aí arrumamos pessoas para ensiná-los. Muitas vezes os indígenas ficavam com dúvida na sala e tinham vergonha de perguntar. O medo deles era ouvir ‘olha lá o índio, não sabe de nada’, e muitas vezes a dúvida dele era a dúvida da sala inteira”, conta.
Iniciativa pioneira no Brasil
Com o apoio oferecido pelo projeto, os alunos começaram a permanecer na faculdade e passavam de um semestre para outro, até que concluíam seus cursos. A ideia chamou a atenção de outras universidades da Capital e o Rede Saberes foi implantado na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul). Aos poucos a inciativa foi ganhando visibilidade, e em 2006, houve o primeiro encontro de acadêmicos indígenas de Mato Grosso do Sul.
A coordenadora conta que até o MEC (Ministério da Educação) ficou surpreso com a quantidade de alunos indígenas matriculados em universidades do Estado, já que nenhuma instituição do País tinha projetos para a classe. “Não tinha nenhuma universidade no Brasil que já tivesse feito isso. O MEC ficou surpreso, pois não sabia que existiam indígenas em universidades”.
Após dois anos, a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), campus de Aquidauana, cidade que tem grande território indígena, entrou para o projeto e por último, a UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados).
“Ao todo, são quatro universidades trabalhando com graduação nesse propósito. Então começamos aqui, desenvolvemos juntos, acertando e errando, até porque não sabíamos a medida disso”, conta.
Graduação, mestrado e doutorado
Airton Gasparini é descendente da etnia Kaingang, povo muito presente na região sul do País. Ele conheceu o Rede de Saberes enquanto cursava o segundo semestre do curso de biologia na UCDB.
“Participar do projeto foi essencial para a minha formação, pois realmente me proporcionou permanência na universidade, através de subsídios, monitoria, cursos de redação, informática e até na alimentação, pois naquela época não existia o restaurante universitário. O Saberes foi essencial para mim e é muito importante para os alunos indígenas”, diz.
Mesmo antes de se formar, o descendente kaingang já atuava em prol das causas indígenas. Após a graduação, ele iniciou um mestrado em Ensino de Ciências na linha de educação ambiental na UFMS. Gasparini foi professor substituto no curso de biologia da universidade, e hoje, é doutorando da instituição em ensino de ciências.
Ele relembra a história com orgulho. Após concluir o doutorado, Gasparini quer dar aulas novamente na UFMS. “Tenho muito orgulho de ser descendente indígena e ter começado minha história no projeto. Hoje, sou consultor da ONG Amazon Watch, da Califórnia, que trabalha na proteção de povos indígenas e da Amazônia”, disse.
“Sempre foi meu objetivo começar um curso, terminar e seguir trabalhando em apoio dos indígenas. Quando encerrar meu doutorado irei prestar um concurso para ser professor na área de biologia da UFMS. Meu sonho é fortalecer o Rede de Saberes de lá, e dar o mesmo suporte que recebi para chegar até aqui. Foi essencial”, conta.
Diversidade em números
As iniciativas apresentadas até aqui evidenciam a importância de projetos que facilitam o ingresso e estimulam a permanência de índios no ensino superior. E os resultados são expressos também em números.
Último levantamento do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) sobre dados das universidades, o Censo da Educação Superior de 2016 revela que a quantidade de alunos do ensino superior que se declararam indígenas aumentou 512% entre os anos de 2010 e 2016.
No primeiro ano da pesquisa, eram 7 mil alunos indígenas em todo o Brasil, seis anos depois, o número saltou para 44 mil. A proporção entre indígenas e não indígenas, portanto, saltou para 0,64% do total de alunos matriculados no ensino superior no Brasil.
Outro dado apontado pela pesquisa é o que revela quais são os cursos mais escolhidos pelos indígenas. Direito é o curso mais escolhido, seguido por Pedagogia, Administração, Enfermagem, Engenharia Civil, Ciências Contábeis, Psicologia, Fisioterapia e Nutrição. (Colaborou Ana Paula Chuva)
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