Da dor ao alento: abandono de cemitérios revela contraste de sentimentos

As velas já derretidas no chão de terra batida contrastam com as que ainda queimam. Flores e mensagens são deixadas de joelhos ao pé do cruzeiro. A reza dos que pedem aos mortos também contrasta com os túmulos do entorno, muitos em situação de abandono. O cenário traz o peso das lamentações e da tristeza […]

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(Henrique Arakaki
(Henrique Arakaki

As velas já derretidas no chão de terra batida contrastam com as que ainda queimam. Flores e mensagens são deixadas de joelhos ao pé do cruzeiro. A reza dos que pedem aos mortos também contrasta com os túmulos do entorno, muitos em situação de abandono. O cenário traz o peso das lamentações e da tristeza dos que ficaram.

Em contraponto, há ainda lugar onde a dor da perda pode ser menor. O gramado verde e as flores ao pé de placas rememoram boas lembranças de quem já se foi e deixou bons momentos para seus amigos e entes queridos. O ambiente instiga a reflexão sobre a morte e as bonanças da vida a ser celebrada enquanto ela durar.

Não é poesia barata, nem romantização. Os parágrafos acima são uma mera descrição, goste ou não, de cemitérios em Campo Grande em que o ambiente proporcionado pode transformar sentimentos dos que, nesse Dia de Finados, seguem fiéis à tradição.

“Eu sinto o peso lá e me entristeço, choro”, conta Lourdes Zanchin, de 78 anos, sobre as visitas que faz ao túmulo da sogra no cemitério do Santo Amaro. “Aqui não, sinto até alegria. Não tem o mesmo peso”, completa, referindo-se ao cemitério particular.

Da dor ao alento: abandono de cemitérios revela contraste de sentimentos
No cemitério do Santo Amaro, cruzeiro onde orações são realizadas (Henrique Arakaki, Midiamax)

De um lado, uma área privada. Do outro, uma área pública. De um lado, um local em que há acolhimento e a reflexão instigada. Do outro, descaso com o espaço público que fazem as visitas mais parecerem um ritual de autoflagelação. A discrepância vai além da parte estrutural e chega também a sentimental de quem ali vai.

“Parece que vou lá [Santo Amaro] e os mortos estão reclamando do abandono, que quando chove leva tudo. Não tem como comparar com aqui, que é mais organizado”, finaliza Lourdes, que teve o marido sepultado em cemitério particular e a sogra no Santo Amaro.

O sentimento de vivenciado por dona Lourdes é semelhante ao de Gilberto Souza, de 49 anos. Enquanto seus avôs estão no Santo Amaro, seu pai foi enterrado em local privado. “No privado existe acolhimento que te traz paz, te conforta, enquanto no público fico triste devido ao desrespeito. Vejo túmulos desmoronando”.

Feitos simples, como quadros onde cada um pode escrever recados sobre o que quer fazer até morrer e árvores com mensagens sobre a celebração da vida, ajudam a dar ânimo ao que ainda sentem saudade e inquietude revelada pela morte aos que vivem.

“A atmosfera é outra, muito diferente. Aqui [particular] é mais leve o ambiente e a nossa presença fica mais agradável. No cemitério público, infelizmente, me sinto mais pesada”, conta Valdivina Jesus, de 41 anos.

Da dor ao alento: abandono de cemitérios revela contraste de sentimentos
Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Os cenários descritos, que parecem tão distantes um do outro, acontecem na mesma cidade, no mesmo dia, e independem de classe social, econômica ou qualquer outro tipo separação. Eles mostram que nem só de dor pode ‘viver’ a morte.

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