A queda na temperatura já era aguardada e sentida pelos campo-grandenses. Mas, na madrugada mais gelada do ano, que registrou sensação térmica de 3°C na cidade, qualquer barreira era proteção para quem tem a rua como morada. É quando papelão vira cobertor e qualquer calor é acalento para a amenizar a crueldade do frio.

Para quem mora na rua, papelão vira cobertor na madrugada mais fria do ano
(Foto: Midiamax)

Numa calçada mais elevada da Rua 26 de Agosto, bem no centro da cidade, Alessandro tremia o corpo quando a reportagem se aproximou. Os pés, parcamente protegidos por uma sandália vazada de número menor encontrada no lixo dias antes, tinham cor azulada. Sobre seu corpo, apenas um agasalho de mangas longas cobrindo o corpo. O homem de 36 anos, que é dependente químico, mostrou como fez para se aquecer.

“Catei esse papelões, já que eu não tenho cobertor. Dormir direito a gente não consegue, mas a gente nessa vida também só dorme quando precisa. Tem um cantinho que não deixa bater vento, mas quando cheguei lá já tinha uma pessoa dormindo”, conta. “Problema mesmo é o vento, a pele fica ardendo”, acrescenta.

Na mesma região, na Rua 7 de Setembro, um homem que se identificou apenas como Gustavo acordava e afirmou ter tido sorte. “Uma senhora passou aqui, me viu e voltou com esse agasalho. Sorte minha, já que meu antigo roubaram”, relata.

Para quem mora na rua, papelão vira cobertor na madrugada mais fria do ano
Papelões foram usados como colchões e cobertores por moradores de rua no centro da cidade (Foto: Midiamax)

“Uma calça já ajuda”

De bermuda, na esquina da Rua 7 com a 14 de Julho, Paulo fumava um cigarro e vez ou outra esfregava as mãos uma contra a outra para aquece-las. “Não vou mentir. A gente compra cachaça pra ser esquentar. Eu não tenho cobertor, não tenho tênis. O que ia ser bom agora seria uma calça comprida. Uma calça já ajuda a gente a aguentar”, diz, na esperança de ser ajudado pela reportagem. “Não tem um trocado pra eu comprar um goró?”, pergunta.

Em , há alguns abrigos voltados para acolhimento, que servem alimentação e oferecem camas e cobertores a pessoas em situação de vulnerabilidade, o Cetremi (Centro de Triagem e Encaminhamento do Migrante), localizado na saída para Três Lagoas, e o Centro Pop (Centro de Referência Especializado em Assistência Social Para População em Situação de Rua), na região central.

Porém, em dias frios a procura por pouso aumenta, e não há vagas para todos. A Prefeitura realizou 27 atendimentos, destes três aceitaram os serviços e foram encaminhados para o Cetremi. Quem não aceitou, foi orientado sobre os serviços da politica de assistência e dado cobertor a quem precisava.

Segundo a Prefeitura, no Cetremi pernoitaram cerca de 132 pessoas, desses 104 estão nesse momento no Centro.

“De vez em quando vem um anjo e traz um cobertor pra gente. Eu tô há muito tempo na rua, há uns sete anos. Muita gente já me ajudou, mas às vezes roubam o cobertor enquanto a gente ta dormindo. Quem ta na rua só dorme quando precisa mesmo, porque é cada um por si”, comenta Paulo. “Problema mesmo é de noite. De dia a gente vai atrás do sol pra se esquentar”, conclui.

Para quem mora na rua, papelão vira cobertor na madrugada mais fria do ano
Na esquina da Rua 15 com Calógeras, moradores de rua procuram o sol para se aquecer (Foto: Midiamax)