O drama das famílias que perderam tudo no incêndio que destruiu um prédio ocupado em São Paulo revela um problema que atinge todas as capitais e grandes cidades brasileiras: o déficit habitacional e as submoradias. Em , casos como este não são novidade entre os moradores de áreas ocupadas.

As imagens que circularam no Brasil e no mundo despertaram lembranças de incêndios e incertezas sobre o futuro. Tanto a favela do Mandela, quanto o edifício Carandiru, sofreram com incêndios. Em julho passado, 12 barracos foram atingidos pelo fogo no Mandela. Ninguém ficou ferido. “Um morador acendeu a vela no barraco, o fogo se espalhou para a casa do vizinho, explodiu um bujão de gás e perdeu o controle. As famílias perderam tudo o que tinham”, conta a dona de casa Andressa Soares, de 27 anos. Segundo ela, o incêndio ocorreu em julho, mas já ouviu falar de outros casos ocorridos antes de sua chegada à comunidade.

No Mato Grosso do Sul, o Governo do Estado não possui dados precisos e atualizados sobre a quantidade de famílias que moram em ocupações. De acordo com a Agehab (Agência de Habitação Popular de Mato Grosso do Sul), mais de 13 mil casas populares foram entregues em todo o estado de janeiro de 2015 a abril de 2018. A assessoria apontou dados do último levantamento feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 2010 como referência, quando havia um déficit de 86.012 unidades habitacionais. Sem casa e dinheiro para o aluguel, a diarista Telma dos Reis se mudou para edifício Carandiru, um prédio abandonado que se tornou moradia de mais de 40 famílias há quase 20 anos. Telma conta que um dos vizinhos colocou fogo na casa e foi preciso a ajuda do Corpo de Bombeiros. “Aqui, a gente dorme com um olho aberto e outro fechado. A maioria é família de bem, cheia de filhos, tem uns poucos usuários de drogas. Eles não mexem com a gente, mas uma vez colocaram fogo nessa casa acima da minha. ”, relembra.

Drama da submoradia também aflige moradores de Campo Grande
40 famílias vivem no prédio Carandiru, ocupado há cerca de 20 anos. (Foto: Marcos Ermínio)

“Morar aqui não é pra quem quer, é pra quem precisa”

Drama da submoradia também aflige moradores de Campo Grande
Clemilson (esq.) veio do Maranhão em busca de melhores oportunidades e trouxe o primo, irmão e pai. (Foto: Marcos Ermínio)

Andressa Soares se mudou para a favela do Mandela há cerca de 11 meses e afirma que morar ali não é uma questão de escolha. Sem casa e com quatro filhos, ela e o marido se mudaram para o local para terem condições melhores de vida. “Com o salário que a gente ganha, ou você come ou paga aluguel. Saí da casa da minha mãe para morar aqui, não pagamos água e luz, podemos gastar com alimento”, conta. A situação é a justificativa de boa parte dos moradores, sem precisar pagar contas de água e luz, os moradores evitam que a fome seja um problema para as famílias e ainda sonham em juntar dinheiro para uma casa.

“Se alguém vier aqui e nos despejar, vamos fazer o que? O meu sonho é ter uma casa nossa, vamos juntando um dinheirinho quando dá. Pode acreditar, que se eu tivesse escolha, não estaria aqui”

conta a revendedora de lingeries Elizamar Lima, mãe de 5 filhos e moradora do Mandela.

A maranhense Telma dos Reis veio para Campo Grande com o marido Clemilson Gomes em busca de melhores condições de vida. Eles contam que moram no edifício Carandiru há quase quatro anos. Clemilson trabalha no ramo da construção civil e é pago por diária, o salário de cerca de R$ 1,4 mil não é suficiente para pagar o aluguel e sustentar os quatro filhos. Telma afirma que há muito preconceito contra os moradores, mas a maioria são famílias de trabalhadores. “Aqui é feio só por fora, dentro das casas a gente reboca, coloca piso, a gente vive com dignidade”, afirma.

O preconceito com as ocupações

Drama da submoradia também aflige moradores de Campo Grande
A favela do Mandela foi ocupada há 2 anos. (Foto: Marcos Ermínio)

Entre os moradores de ocupações, a vergonha também está entre os problemas. Telma afirma viver com dignidade e não esconde onde mora, mas os filhos sofrem com a discriminação. “Meus filhos estudam em uma escola aqui perto e zoaram ele, por morar aqui no Carandiru”. Para Telma, a má fama do condomínio se deve à presença de pessoas de fora e às constantes visitas da Polícia durante a noite. “Já virou rotina, eles passam por aqui, fazem uma ronda. O problema é que quem faz bagunça nem mora aqui”.

Drama da submoradia também aflige moradores de Campo Grande
Sem opção de lazer, crianças brincam no Edifício Carandiru. (Foto Marcos Ermínio)

Elisamar mora no Mandela, mas esconde de todos que mora em uma favela. “Se você fala que mora aqui, as pessoas te desprezam, olham torto. Quando eu preciso, uso o endereço da minha mãe”. Até as compras são entregues na casa da mãe, para que os colegas do marido, que trabalha em um supermercado, não descubram o verdadeiro endereço do casal.

A revendedora foi uma das primeiras a ocupar o terreno há dois anos, que hoje é a favela do Mandela. Com uma renda fixa de pouco mais de R$ 1 mil, viver na favela foi a única alternativa. “Eu sonho com uma casa, mas a Emha nunca veio aqui, se duvidar nem sabem que a gente existe”. A diarista Telma gosta da vida que leva no prédio Carandiru, mas também sonha com uma vida melhor. “Meu maior sonho é a casa própria, sair daqui e dar uma condição ainda melhor para os meus filhos”.