Mães, mulheres e chefes de família: em bairros humildes elas vão à luta

Elas arregaçam a manga e não deixam que dificuldades as abalem

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Elas arregaçam a manga e não deixam que dificuldades as abalem

A independência feminina tem se tornado cada vez mais comum nos lares brasileiros e em Campo Grande a história não é diferente. Em rápido passeio em diferentes regiões da Capital, o Jornal Midiamax encontrou mulheres que não se deixam abater pelas dificuldades do dia a dia e correm atrás para conquistar o melhor para sua família.

Líderes de suas residências, elas arregaçam a manga e vão à luta. Sabe aquela icônica frase do dito popular “se a vida te der um limão, faça uma limonada”, elas aproveitam até a casca da fruta e mostram que superação é lei natural da vida de quem busca se reerguer.

Andando pela região norte da Capital, na Comunidade do Linhão, uma das mais humildes da Capital, a reportagem encontrou Letícia Sales dos Santos, de 30 anos, que convidou a equipe para entrar em sua casa alugada e contou a história de como acabou tendo de morar em Campo Grande inesperadamente.

O ex-companheiro de Letícia a encaminhou da grande São Paulo à Campo Grande há pouco mais de um ano com os filhos e nunca mais os ajudou a retornar para casa. Desde então, ela luta para sobreviver com os filhos.

“Vim passar o Natal em Campo Grande com meus filhos em 2016 com a promessa de que ele ia me mandar dinheiro para voltar para casa depois, mas não mandou para a gente voltar”, contou a jovem ao Jornal Midiamax.

Não deixando abater-se, ela logo ‘correu atrás’ e conseguiu um emprego em um restante. Entretanto, a oportunidade logo se encerrou e ela foi demitida. “Quando cheguei aqui trabalhei em um restaurante como auxiliar de cozinha. Lá eu ganhava R$ 70 por dia, mas teve corte de funcionário e a dona me dispensou”, lamentou.

Apesar do atual desemprego, Letícia conta que sai em busca de trabalho sempre enquanto os filhos estão na escola, mas devido à falta de escolaridade, as portas ainda não se abriram. “A maior dificuldade que tenho aqui é não conseguir emprego. Não tenho escolaridade, estudei até a 5ª série. Até para limpar chão estão exigindo escolaridade”, desabafou a moradora.

Não querendo o mesmo futuro aos filhos, de 12, 11 e 9 anos, Letícia logo tratou de inseri-los na escola. Entretanto, o caçula dos irmãos, de 3 anos, não conseguiu vaga em uma creche. “A mais velha me ajuda a cuidar dele”, disse.

O ex-marido que abandonou a família, sequer  ajuda a mãe dos filhos com a pensão alimentícia das crianças. “O pai não paga pensão e penso em colocá-lo na Justiça. Parece que foi um castigo de Deus porquê recentemente fiquei sabendo que ele quebrou o ombro. Agora nem adianta entrar na Justiça contra ele né, porque não vai pagar. Vou esperar ele melhorar”, disse ela.

Seguindo outro ditado popular, Letícia consegue “tirar leite de pedra”, pois atualmente sobrevive com R$ 410 por mês, dinheiro referente aos benefícios do Bolsa Família e o Vale Renda. Somente para o aluguel, ela precisa desembolsar R$ 250, restando R$ 160 para pagar água, luz e alimento à família. “Esse mês consegui comprar um sacolão, mas eles [comerciantes] pegaram meu cartão do Vale Renda como garantia de pagamento né. Quando a situação aperta, peço ajuda para minha irmã que mora em Rondônia”, contou.

À reportagem, Letícia afirmou que tem um sonho: estudar. Apenas estudar. “Vou na Semed [Secretaria Estadual de Educação] para poder voltar a estudar. O futuro só se conquista estudando e eu preciso disso”, confessou.

Ela por ela

Perto de onde encontramos Letícia, a reportagem andou pelo Jardim Noroeste e conheceu outra mulher que está à frente de sua família. Jéssica Tatiana de Souza Santos, de 24 anos, havia acabado de chegar do trabalho e aceitou conceder entrevista ao Jornal Midiamax.

Bocejando, ela contou que estava exausta com mais um final de expediente trabalhado. Mãe de dois filhos, Fernanda, de 6 anos, e Eduardo, de 8, Jéssica contou que está separada há cinco meses e desde então tem batalhado para conseguir estabilidade para a sua família.

“Eu saio às 6h e deixo eles na escola. Só retorno para casa às 15h48”, contou. “No horário que estou trabalhando, eles estão na escola depois a tare eles almoçam, e a partir das 13h vão para um projeto”, disse Jéssica. As crianças ocupam o tempo praticando esporte como karatê e capoeira, às 16h30 eles estão liberados para ir para casa.

Quando o ex-marido deixou a casa, Jéssica “ganhou” várias contas atrasadas e nenhuma ajuda financeira. “Esses meses agora eu fiquei bem apertada, todas as contas ficaram para mim e ele não me ajudou com nada”, afirmou a auxiliar de limpeza.

Quando perguntado se algum parente ou amigos próximos à ajudam, ela disse. “Sou eu por eu mesma. Ninguém ajuda”, esclareceu.

Mães, mulheres e chefes de família: em bairros humildes elas vão à luta

Ela contou que por diversas vezes ouviu do filho que o sonho dele é ser militar do Exército. “Ele vê o tio dele servindo e fica doidinho querendo ser também”, declarou.

Mas Jéssica também se revelou uma sonhadora com espírito empreendedor, pois idealiza um dia poder montar o próprio negócio. “Meu sonho é montar uma lanchonete para mim, ter meu próprio negócio e poder sustentar meus filhos melhor. Por enquanto vou batalhando do jeito que eu posso”, finalizou.

Em busca de oportunidades

Do outro lado da cidade, no Bairro Parque do Sol, a reportagem encontrou Francisca Lúcia Araújo da Silva, que apesar da forte chuva, aguardava a clientela em sua lanchonete. Com um pouco de timidez, Lúcia, como prefere ser chamada, aceitou bater um papo e contar um pouco de sua realidade desde a separação com o ex-marido há dois anos.

Mães, mulheres e chefes de família: em bairros humildes elas vão à lutaDivorciada desde 2016, Lúcia saiu de Camapuã, 135 km de Campo Grande, para buscar novas oportunidades para ela, a filha, de 9 anos e a mãe, dona Francisca Araújo da Silva, de 74 anos, Lúcia decidiu abrir o comércio em sociedade com o irmão. Por lá é vendido de tudo, desde salgados a bebidas, remédios caseiros e até mesmo calçados.

“O salgado é um real. Aí peguei umas cachaças, rasteirinhas, uns remédios e coloquei para vender. O movimento é até bom, só no mês passado que foi meio fraco, mas estamos retomando”, disse esperançosa à reportagem

Questionada sobre as dificuldades no dia-a-dia, Lúcia afirmou que nunca deixou de abater e sair da sombra do ex-marido a fez focar em conquistar seu sucesso pessoal e fazer da filha ‘alguém na vida’.  Como Lúcia não recebe nenhuma ajuda de programas sociais, o comércio da família é a única alternativa.

“Nesse tempo que estou sozinha aqui com elas, foram momentos de luta. Nunca chegou a faltar nada porque estou sempre batalhando e correndo atrás das coisas. Fiz cadastros para participar do Bolsa Família e o Vale Renda, mas até hoje não consegui”, lamentou a mulher.

Lúcia conta que quando chegou em Campo Grande, a única renda da família era o benefício recebido pela mãe, aposentada. “Ela [mãe] decidiu que iria fazer um empréstimo para a gente dar início ao nosso comércio aqui. Como aqui a casa é nossa, achamos que ia valer a pena”, contou.

Foram R$ 9,9 mil emprestados da agência bancária e agora, como o valor começou a ser devolvido ao banco, o salário mínimo de dona Francisca foi reduzido à R$ 300. Reconhecendo a ajuda da mãe, Lúcia agora trabalha para o sustento da família. “Como ela fez esse sacrifício por nós, agora tenho que trabalhar para dar essa recompensa para ela”.

Com os olhos cheio de lágrimas e na esperança de que dias melhores virão, ela diz que “tem dia que a gente batalha tanto, mas parece que não vai dar certo”, apesar do medo pairar sob os pensamentos da moradora, a comerciante não deixa se abater e sonha em um dia ‘crescer na vida’, ter um carro, uma casa melhor e investir no futuro da filha.

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