De infância carente a solidão sem família: conheça a viúva que mora em hotel incendiado

Dona Maria, de 74 anos, comoveu a internet, na tarde desta segunda-feira (10), após o hotel que ela vive pegar fogo, na região central de Campo Grande. Sem família e viúva, a reportagem encontrou, nesta tarde, a moradora do quarto 14 sentada em frente ao Hotel Nacional, ainda incrédula sobre as chamas que atingiram o […]

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Dona Maria, de 74 anos, comoveu a internet, na tarde desta segunda-feira (10), após o hotel que ela vive pegar fogo, na região central de Campo Grande. Sem família e viúva, a reportagem encontrou, nesta tarde, a moradora do quarto 14 sentada em frente ao Hotel Nacional, ainda incrédula sobre as chamas que atingiram o 2º andar do local que escolheu para passar os últimos anos de vida.

Natural de Mirassol (SP), Maria Aparecida Henrique de Oliveira foi morar em São José do Rio Preto ainda pequena com os pais. A família carente vivia em uma casa com chão de terra e acabava “se virando como podia”. Durante os passeios para comprar pipoca, Maria conheceu Terculiano de Oliveira, pedreiro, e separado. O casal logo se apaixonou e decidiu adotar terras sul-mato-grossenses como moradia. Em 1985, Maria e Terto embarcaram rumo à Paraíso das Águas, município 277 quilômetros de Campo Grande.

Os dois chegaram a criar um sobrinho de Maria, dos 6 aos 15 anos, mas o garoto decidiu trabalhar em carvoaria para cuidar do pai biológico que, na época, precisou amputar as pernas por causa do diabetes.

A vida era assim, Maria cuidava de casa e Terto trabalhava dia e noite para sustentar a pequena família. A situação de dificuldade voltou à tona quando, em 2004, Terto morreu vítima de câncer e deixou Maria Aparecida sem renda fixa. Aos 60 anos, a viúva não podia pedir aposentadoria pois não tinha tempo de contribuição suficiente para dar entrada no benefício.

Sozinha no mundo, o jeito foi trabalhar como pôde. Cada cômodo da pequena casa no interior do Estado lembrava o companheiro que havia partido e, por este motivo, dona Maria decidiu vender o imóvel “a preço de banana” e se mudar para Amandina, ao lado da cidade de Ivinhema.

“Tudo me lembrava meu marido e eu precisava erguer minha vida. As vezes eu carpia um lote por R$ 30 para ter o que comer porque não tinha pensão e nem renda mensal. Foi muito difícil, mas nunca me prostitui e nem fugi do trabalho digno.”

O tempo foi passando e a falta do companheiro refletiu na saúde da idosa. Um certo dia, sentindo muito cansaço, Maria Aparecida decidiu procurar ajuda antes que seu estado físico chegasse ao limite. Uma cardiologista de Dourados havia alertado a senhora que seu coração estava batendo lentamente e as coisas poderiam piorar.

A dificuldade de locomoção acompanhada da solidão fez a viúva tomar uma atitude que mudaria pra sempre sua vida. Juntou as lembranças de toda uma vida mais algumas peças de roupas, colocou na mala e rumou-se à Capital.

Quando chegou em Campo Grande a realidade foi bem mais cruel que os dias de sufoco passados na pequena Distrito de Amandina. Dona Maria se hospedou no Hotel Nacional e determinou que alí seria sua casa até os últimos dias de vida.

A rotina da idosa ficou dividida em ver televisão, passatempo preferido já que nunca teve condições financeiras de comprar uma, passear vendo as vitrines do Centro e idas aos Postos de Saúde. As memórias de uma vida carregada de obstáculos estão marcadas no rosto da senhora de sorriso fácil. Apesar de lidar com maestria dos problemas da vida, dona Maria acaba ficando emocionada ao lembrar da luta que traçou até chegar ao pequeno quarto de hotel. Para fugir da realidade sombria da solidão, a idosa passa as tardes olhando vitrines e imaginando como a vida era diferente quando dividida com seu grande amor.

“Qualquer coisa que se faça para ganhar a vida é digno, desde que não seja roubar. Eu não tenho dinheiro, mas gosto de ver as vitrines bonitas, os brinquedos, as roupas. A gente compra uma roupinha ou outra no brechó, mas eu nunca perdi a esperança.”

Os problemas no coração foram tratados ao longo dos quase 4 anos. A viúva mostra pelo corpo as cicatrizes dos cateterismo e angioplastia que realizou em Campo Grande.  “Um dia eu saí daqui do Hotel com o Samu e cheguei na Santa Casa com a pressão 22 por 18, foi um susto”, lembra.

Casa-hotel

“Ultrapassada, desolada, sem palavras”, foi assim que a dona-de-casa descreveu a sensação que teve ao ver o Hotel Nacional em chamas na tarde desta segunda-feira. O recepcionista do local, João, foi quem bateu no quarto e pediu que a cliente deixasse o quarto imediatamente.

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“Subi com minhas sacolas de coisinhas, com o que deu pra tirar. Me senti sem chão porque é aqui onde vivo, é a minha casa.”

Ainda incerta sobre o futuro, dona Maria conta, com lágrimas nos olhos, que talvez não tenha onde passar a data mais importante do ano para os católicos: o Natal. Sozinha e com o hotel interditado, o jeito vai ser contar com a solidariedade do próximo.

“Se eu tiver o que comer, eu como. Se não, não sei como vai ser. Para esquecer a tragédia hoje eu passei a manhã namorando as vitrines, são sonhos que não posso realizar, mas posso sonhar,” pontuou.

Questionada sobre a magia do Natal e o que gostaria de ganhar do bom velhinho, a viúva não conteve as lágrimas ao lembrar que nunca ganhou uma boneca. A realidade enxuta da família fez com que a infância fosse marcada por dificuldades financeiras e os brinquedos fabricados com sabugo de milho.

“Descendo a rua Dom Aquino antes de chegar na Calógeras tem uma loja de brinquedos. Tem uma boneca grande, loira, é o meu sonho. O pessoal da farmácia perto brincou comigo perguntando se eu com essa idade queria uma boneca, mas é porque nunca tive uma e essa é assim, bem grandona.”

Iletrada

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Muitas pessoas ficaram comovidas e ofereceram ajuda pelas redes sociais do Jornal Midiamax. Como não teve acesso aos estudos, a reportagem leu os comentários dos internautas para dona Maria. A felicidade foi tanta que a idosa acabou brincando com os funcionários do hotel que agora “estava ficando famosa”.

Mesmo tímida, ela se arriscou em gravar um vídeo agradecendo aos leitos que tiveram compaixão e ficaram, de alguma forma, sensibilizados com sua história. O único telefone de contato é do amigo João, recepcionista do hotel, pelo celular 9 9664-0757.

Confira o vídeo:

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