#CG119: acervo de Vespasiano reacende ‘polêmica’ sobre primeiro morador de Campo Grande
Conta a história que o desbravador mineiro José Antônio Pereira é o responsável pelo surgimento da atual capital de Mato Grosso do Sul. Ele também teria sido o ‘primeiro morador’ da região, quando, em 1872, instalou um rancho nas confluências dos córregos Prosa e Segredo, onde atualmente fica o Horto Florestal. Anos depois, em 1875, […]
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Conta a história que o desbravador mineiro José Antônio Pereira é o responsável pelo surgimento da atual capital de Mato Grosso do Sul. Ele também teria sido o ‘primeiro morador’ da região, quando, em 1872, instalou um rancho nas confluências dos córregos Prosa e Segredo, onde atualmente fica o Horto Florestal. Anos depois, em 1875, Pereira teria trazido uma comitiva de 65 pessoas, que ajudaria a dar forma à vila que originou Campo Grande.
Mas uma relíquia com valor histórico considerável, salvaguardada pelo IHGMS (Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul), e que encontra-se em processo de catalogação e restauração, pode reacender uma polêmica que há anos segue esquecida.
Segundo os documentos de autoria de uma das figuras históricas mais relevantes do Estado, Vespasiano Barbosa Martins, os primeiros habitantes do “arraial” teriam sido um homicida em fuga e sua esposa: João Nepomuceno e Maria Abranches.
O relato não é exatamente novidade para os mais antigos. A obra “O município de Campo Grande – estado de Matto Grosso” (1919), de autoria de Rosário Congro (1884-1963), considerado o primeiro historiador da cidade, aponta Nepomuceno como posseiro das terras onde mais tarde seria fundado o Arraial de Santo Antônio de Campo Grande.
“No ano seguinte, José Antônio Pereira regressou a Monte Alegre, deixando o seu rancho e a sua lavoura incipiente entregues a João Nepomuceno, com quem se associara. Nepomuceno era caboclo de Camapuã, um arraial que morria, situado na antiga Fazenda Imperial do mesmo nome, nas cabeceiras do Coxim, e que ali aparecera, ‘de muda’ para Miranda, quebrando a monotonia do ermo com dois carros de bois que o peso da carga fazia chiar nos eixos”.
Os documentos de Vespasiano Martins, por outro lado, retratam Nepomuceno como um fugitivo da justiça, acusado de assassinato, e que teria apenas passado pela região antes de José Antonio Pereira.
Sob os cuidados da professora Madalena Greco, do IHGMS, a polêmica sobre o primeiro morador da cidade está descrita no artigo intitulado “Controvérsia Injustificável”, de autoria de Martins, e publicado no Jornal Correio do Estado.
O recorte não traz a data exata, mas leva a crer que foi escrito entre 1955, quando o divisionista encerrou a carreira política, e 1964, um ano antes de seu falecimento.
“Vamos colocar que esse recorte de jornal trata-se mais de uma provocação que uma contestação. Não entendo que o relato de Vespasiano tire o mérito do fundador da cidade, mas traz uma outra perspectiva sobre essas terras, em relação à descrição de Nopomuceno”, considera Madalena Greco.
Quem era João Nepomuceno?
O artigo que consta entre diversos documentos e outros recortes de jornal pertencentes a Vespasiano Martins traz o seguinte trecho:
“Certa vez, viajando de Campo Grande para Rio Brilhante, a cavalo, em companhia do meu tio Antonio Gonçalves Marques, em longa conversa, contou-me o seguinte: Veja menino, dizia êle, como este Campo Grande tem crescido! Por volta de 1872, depois da Guerra do Paraguai, já de novo no Passa Tempo, de volta do Sucuriú, com meus irmãos estivemos todo o tempo da Guerra, refugiados, aqui estive pela primeira vêz. Andava à cata de dois cavalos – que me haviam roubado e de volta das bandas do Coxim aqui cheguei já à tardezinha e ali onde se juntam os córregos Prosa e Segredo dei com um casal que estava acabando de construir um rancho com parede de páu-a-pique, coberto de folhas e coqueiro e o piso de terra batida”.
De acordo com o relato do tio de Vespasiano, o casal era João Nepomuceno, de Poconé (MT), e Maria Abranches, de Faxina (SP, atualmente Itapeva). No escrito, Nepomuceno é descrito como “alto, magro e de pouca prosa”. Já Maria é apontada como “branca, baixota, gorda, e muito alegre”. Eles teriam dado pouso e alimentação ao viajante, que partira no dia seguinte rumo à Miranda, onde encontrou os cavalos roubados.
O artigo também reforça que, além do depoimento do tio de Vespasiano, seu sogro, Bernardo Franco Baís, também chegou a afirmar que Nepomuceno teria, sim, sido o primeiro habitante do “grande campo da Vacaria”.
“Daqui saiu apressadamente por estar envolvido na assassinato de certo Mota, morador no Varadouro, por questão de roubo de gado. Esse Mota, que Taunay conta haver pousado em sua casa, partindo do acampamento dos Mortos em direção à Corte, para levar notícia da Retirada do Laguna, fora morto por Nepomuceno, por havê-lo denunciado como ladrão de gado de sua propriedade”. O fim de Nepomuceno é vago. Segundo Vespasiano, sabe-se apenas que ele fugira para Minas Gerais, tendo falecido anos depois em Araxá.
Mérito é do fundador
O artigo busca fundamentar, com referências históricas, a versão do primeiro morador da cidade. Segundo o escrito, uma das principais referências é citada a partir de uma conferência ocorrida em 1933, quando o então prefeito de Campo Grande Ytrio Corrêa da Costa convidou o cunhado para ministrar uma palestra pelo aniversário da cidade.
O cunhado era Virgilio Alves Corrêa, descrito pelo autor como “o maior conhecedor e historiador das coisas de Mato Grosso”. Ele teria saído do Rio de Janeiro especialmente para tal conferência, que foi acompanhada por Vespasiano.
“Fui assistí-la, gozando por antecipação ao êrro em que iria incidir o conferencista, afirmando que o primeiro morador de Campo Grande teria sido José Antonio Pereira. O gozado fui eu, pois Dr. Virgílio, no início de sua conferência, afirmou em alto e bom som que o primeiro morador de Campo Grande teria sido João Nepomuceno, peconeano, de origem”.
Porém, mesmo restando comprovado, na visão de Vespasiano, que Nepomuceno realmente foi o primeiro morador, o ex-prefeito de Campo Grande jamais quis retirar o mérito de seu fundador.
“Não afirmo e jamais afirmei que tenha sido Nepomuceno o fundador da cidade, pois êle por aqui passou como um meteóro, sem deixar qualquer marca concreta de sua passagem, o que não aconteceu com José Antonio Pereira, que aqui fundou fazenda, edificou casas e até uma igreja, deixando, após sua morte, numerosa prole (…). Não é hábito meu fazer afirmativas baseando-me em hipóteses. O que conto sobre João Nepomuceno foi ouvido de pessoas já falecidas, que mereciam todo o acatamento quando relatavam fatos por êles presenciados. Esta é a verdade; o resto são parolagens de alguns que desejam pescar em águas turvas”, conclui Martins.
Contraponto
Na versão oficial, José Antonio Pereira é pacificado como o legítimo primeiro morador e fundador de Campo Grande. O principal registro vem de Epaminondas Alves Pereira (1904-1988), bisneto de Pereira, para quem Nepomuceno teria apenas cuidado do rancho durante o retorno de Pereira a Minas Gerais em 1872, antes de trazer a comitiva composta por 65 pessoas.
“A pequena propriedade não podia ser deixada ao abandono. De volta a Minas Gerais José Antônio passa por Camapuã, em cujos arredores moravam poucas pessoas remanescentes da Fazenda do mesmo nome, entre elas o poconeano João Nepomuceno, com quem José Antônio entra em entendimento para vir cuidá-la, até o seu regresso de Minas.
Em meados de 1875 chega por aqui Manoel Vieira de Souza (Manoel Olivério), mineiro que também fora atraído pelas notícias dos campos da Vacaria. Manoel Olivério, com dois carros de bois, vinha em companhia de seus filhos, de sua mãe e de seus irmãos. Este encontro proporcionou a Nepomuceno oferecer a Manoel Olivério a pequena propriedade que zelara até então, constituída de um rancho e a colheita da última safra, alegando que José Antônio não havia aparecido, e decorridos quase três anos, talvez não mais voltasse. Dispunha-se a vendê-la pela quantia de trinta mil réis. Acertaram o negócio na condição de que se o dono aparecesse, Manoel Olivério a entregaria, mediante o ressarcimento da importância citada, que na época representava muito dinheiro.
Manoel Vieira de Souza, até então desconhecido, pois era de Prata, outra cidade mineira, recebe-o amistosamente expondo as condições de seu negócio com João Nepomuceno e prontifica-se entregar a propriedade a seu legítimo dono”.
Outro registro, cuja fonte não foi identificada pela reportagem, consta num blog relacionado à Escola Municipal João Nepomuceno, no bairro Taquarussu. Patrono da escola, Nepomuceno é descrito como o “primeiro morador do rocio da atual cidade de Campo Grande”, que seria soldado egresso da Guerra do Paraguai, e morreu em decorrência de tuberculose em Araxá (MG). No registro, Maria Abranches é apontada como “mulher aventureira” com quem, após a guerra, Nepomuceno partiu para “conhecer novas terras”.
O agora ex-soldado é relatado como “alto, magro, introvertido, calado, mas, irrequieto e nômade”. Abranches é retratada como “aventureira, gorda, baixota, expansiva, bondosa, alegre e trabalhadeira”. O relato é parcialmente compatível com o de Vespasiano. O encontro com José Antonio Pereira teria ocorrido em 21 de junho de 1872, a quem Nepomuceno vendeu a posse da terra.
“Este histórico defende um lugar ao sol para o edificador do primeiro rancho e aquele que lançou a primeira semente fecundada em terras campo-grandenses. João Nepomuceno e Maria Abranches, um casal de aventureiros, mas que abrindo um clarão nesse vazio demográfico de mais de cinqüenta léguas em torno, abrangendo Miranda, Camapuã, Nioaque e Paranaíba, derrubando matas, pondo roça e tendo fecundado a terra com o suor dos seus rostos, plantaram um marco inicial da futura capital de Mato Grosso do Sul”.
Pelas mãos de uma negra
Uma outra versão sobre o primeiro morador é ainda mais polêmica e afirma que a ex-escrava Eva Maria de Jesus, a Tia Eva, seria a primeira habitante dos lado de cá. Na comunidade, relatos que passam de pai para filho reforçam a ideia de que quando José Antonio Pereira chegou na região, um grupo de negros libertos já existia no Alto São Francisco, onde a comunidade está localizada.
“Sempre nos falaram que quando José Antônio Pereira chegou por aqui, ‘não havia nada’, só uma comunidade negra nos altos do São Francisco. Esta comunidade só pode ser a nossa. Foi a Tia Eva que fixou o povoado na região”, relatou Lúcia da Silva Araújo, tataraneta de Eva e então presidente da Associação dos Descendentes de Tia Eva, em reportagem publicada pelo Jornal Midiamax em agosto de 2015.
Um escrito da historiadora e professora aposentada Alisolete Weingärtner, na Revista Arca em 1995, citado na reportagem, aponta a existência de uma comunidade negra “no Cascudo”, hoje Bairro São Francisco. O mesmo artigo, a propósito, considera João Nepomuceno como o posseiro que aqui estava antes da chegada da comitiva mineira, e de cujas plantações de milho despertaram o interesse do desbravador em aqui permanecer.
“José Antônio Pereira encontra, nesta região, o poconeano João Nepomuceno e algumas famílias camapuanas fixadas ao longo do córrego Prosa, onde cultivavam suas roças. O que chama a atenção de José Antônio Pereira, é o viço do milharal e outros cereais cultivados por esses posseiros. Inspeciona o lugar e constata a fertilidade do solo, a amenidade do clima, a existência de boas pastagens e boa aguada. Esses fatores convencem José Antônio Pereira a não prosseguir viagem e iniciar uma roça a exemplo dos demais posseiros destes campos”, traz o artigo.
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