5 mulheres que marcaram gerações desde que ensinar era ‘carreira para elas’
Para deixar as tarefas do lar e ter acesso ao mercado de trabalho, a opção era ser professora
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Para deixar as tarefas do lar e ter acesso ao mercado de trabalho, a opção era ser professora
Houve um tempo, não muito distante, quando as mulheres ainda tinham profissões ‘permitidas’ e quase todas as outras eram exclusivas para os homens. Ensinar, talvez pela proximidade com atividades maternas, historicamente relegadas a elas, foi durante longo período uma dessas poucas áreas. Para deixar as lides domésticas e ter acesso ao mercado de trabalho, a opção era ser professora.
Mesmo assim, vivenciando essa situação na pele, algumas professoras de Campo Grande, daquela época em que professor na rede pública chegava a ensinar por meses, sem receber um tostão, deixaram seus nomes registrados na história de luta por uma educação plural e de qualidade na Capital Morena.
São muitas profissionais, mas a reportagem chegou a 5 nomes de mulheres que deixaram marcas em gerações e gerações de campo-grandenses:
Iara Gutierrez Cuellar
Ela nasceu às margens do Rio Paraguai, na Cidade Branca, em 1968, e naquele berço multicultural, ainda tão nova, antes mesmo dos seus 18 anos, Iara Gutierrez Cuellar tomou a decisão de tornar ‘o ensinar’ o leme que direcionaria todos os seus caminhos por anos e anos.
Na década de 80, ela começou a trilhar seu caminho pela educação, ao iniciar sua formação no antigo Magistério. Dez anos depois, formou-se Pedagoga pela Fucmat, hoje UCDB (Universidade Católica Dom Bosco).
Entusiasta, Iara faz questão de esclarecer que a educação e o conhecimento são os únicos capazes de mudar a realidade de muitas pessoas. Em 30 anos de trajetória, ela viu centenas de alunos crescerem e se desenvolverem, mas ela também viu mães.
Mães eufóricas por finalmente conseguir uma vaga na creche para seu filho. Seus Filhos. Mas nem todas tiveram essa sorte. Ela também viu muitas mães lutando com todas as forças para ‘conseguir’ cumprir dupla jornada e garantir o sustento de suas famílias e a educação das crianças. Sem sucesso. A situação não mudou muito de lá para cá. Iara lamenta.
Atualmente, a professora segue se especializando para garantir uma melhor educação aos seus alunos. Ela cursa Multiletramento na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), e já contribuiu para a educação de mais de 700 alunos das séries iniciais na Capital.
Já passou por pelas escolas Izaura Higa, nas Moreninhas, Professor Carlos Henrique Schrader, no Jardim Flamboyant, Irma Bartira Gardes, no Arnaldo Figueiredo, João Carlos Flores, na Vila Morumbi, Coração de Maria, no Santa Dorotéia, e também na escola Olinda Conceição Teixeira de Maria, no Jardim Oliveira II.
Mas agora, mais madura, sábia e combatente, Iara dedica grande parte de seu tempo a garantir melhores condições de trabalho àqueles que, de fato, movem moinhos e não deixam a educação à mercê maus governos e maus gestores: os próprios educadores, os que realmente sabem da situação vivenciada na maioria das escolas.
Iara ocupa o cargo de diretora da Secretaria de Saúde do Trabalhador da Fetems (Federação dos Trabalhadores em Educação) e faculta seu tempo a lutar pela valorização da classe.
“Hoje vemos o professor com diversos problemas de saúde, vários direitos sendo suprimidos. Não basta apenas pagar bem, não que seja o caso, mas tem que dar condições de trabalho também. Vemos educadores dando aula em várias escolas, o número de alunos por sala de aula é cada vez maior, fora a questão da violência que está, por vezes, assustadoramente naturalizada nas escolas”, contesta.
Mesmo reconhecendo um pequeno avanço na equiparação de salários entre homens e mulheres na educação, Iara não se conforma e acredita que ainda temos muito chão pela frente, em busca da igualdade de gênero.
“Apesar de a situação já ter mudado bastante, por muitos anos as mulheres ganhavam menos que homens, mesmo desemprenhando as mesmas funções. Hoje conseguimos, com muita luta, diminuir essa diferença na sociedade, mas temos muito o que caminhar. Estamos bem longe da situação ideal e não podemos parar”, diz.
Olinda Conceição da Silva
Ela é a praticamente a personificação do comprometimento e do cuidado para com os alunos. Mesmo aposentada, Olinda Conceição da Silva não consegue abandonar a lousa, o giz e os ‘seus meninos’.
Na escola Zélia Quevedo Chaves, no bairro Iracy Coelho, região sul da Capital, onde ela ministra suas participativas e cativantes aulas, ninguém quer vê-la deixar as salas de aula tão cedo, pois não há duas Olindas disponíveis por aí o tempo todo. Ela é rara.
Sua passagem pelas escolas da região sul não param por aí. A professora de língua portuguesa e literatura também ensinou e cativou alunos das escolas Aracy Eudociak e Blanche dos Santos Pereira, no jardim Tijuca, Profª Delmira Ramos dos Santos e Padre José Scampini, no Coophavilla II.
Rapidamente descobrimos o porquê desse afeto todo. “Na periferia, alguns alunos são difíceis porque têm e tiveram infância também difíceis. O nosso papel é resgatá-los disso, mostrar um outro caminho, mostrar que nem tudo está perdido e que a educação, por vezes, é a única saída. Conhecimento é para toda a vida e o professor não pode ser coadjuvante nesse processo, nosso papel é fundamental na construção social do país”, defende a professora que é só amor.
No auge dos seus 35 anos de carreira na educação pública, a professora, que iniciou sua formação no Magistério, aos 17 anos no município de Nioaque, cumpre à risca seu papel na sociedade.
“Nas minhas aulas, busco contribuir para o empoderamento dos meus alunos. Como passei muito tempo lecionando em escolas de periferia, onde há questões e problemas específicos a serem tratados, sempre achei importante abordar o racismo, a questão indígena e a desigualdade social. Esta não é uma pauta de agora. É minha missão aqui”, conta.
Para ela, até mesmo nos sindicatos de classe as mulheres são menosprezadas. Simplesmente por serem mulheres, na visão de Olinda, elas sempre são coadjuvantes e ficam à margem dos homens.
“Machismo e desigualdade são questões claramente absurdas e até mesmo em sindicatos, as mulheres sempre ocupam posições de poder à sombra dos homens. Elas são vices, diretoras, tesoureiras, presidentes quase nunca. Por quê?”, questiona.
Sueli Veiga Melo
Essa aqui é apaixonada pela profissão desde que se entende por gente. Ainda criança, Sueli Veiga Melo, agora aos 52, caminhava 10km todos os dias para ir e voltar da escola onde ela e seus cinco irmãos estudavam, na zona rural do município de Taquarussu. Os pais, mesmo de origem humilde, valorizavam a educação e lutavam, dentro de suas limitações, para garantir aos filhos o acesso à educação.
Sueli levava os estudos tão à sério que quando sua professora não podia dar aula, ela assumia a lousa e ensinava seus próprios colegas de turma. Tudo isso no auge dos seus 14 anos de idade.
Suas primeiras turmas definitivas foram, inclusive, nessa escola rural onde se formou. Ali, a jovem professora era responsável pela alfabetização de muitas crianças, de 1ª a 4ª séries. A maioria delas morava ali mesmo, em chácaras e sítios nas proximidades não tão próximas da escola.
Em Campo Grande, sua trajetória é marcada por lutas, derrotas, vitórias e muito orgulho por ser vice-presidente da Fetems e a primeira mulher a participar da direção nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores).
“Quando olho para trás, vejo o longo caminho que já percorri e me orgulho muito da minha trajetória. Se hoje temos um salário razoável e carreira progressiva foi com muita luta e eu participei ativamente de todo esse processo e continuarei até onde puder”, conta, cheia de orgulho.
Sueli é da época – e nem faz tanto tempo assim – que mulheres eram fadadas a cuidar somente da casa e da família. Trabalho externo era somente para os homens, os mantenedores. Se quisessem ser transgressoras mesmo e ter direito a um trabalho, essas mulheres tinham que formar-se professoras. Era um dos únicos caminhos.
“Não escolhi plenamente trabalhar com educação, mas não me arrependo e nem sei se faria diferente. Costumo dizer que não escolhi a profissão, mas ela me escolheu e eu abracei”, afirma.
Ela concorda com a professora Olinda, ao afirmar que há uma diferença gritante nas posições ocupadas por homens e mulheres na sua profissão.
“Percebo, assim como minhas companheiras, que alguns cargos de direção de escola, por exemplo, ainda são preenchidos por homens que, por vezes, não tem a mesma qualificação que as mulheres. Na profissão claramente somos maioria, mesmo assim somos sempre subordinadas a eles. Apagadas”, critica.
Reconhecendo essa disparidade e depois de muitas discussões e muito trabalho, Sueli e um grupo de educadoras que integram a Federação, quebraram uma grande barreira no caminho da igualdade e decidiram, em 2016, que a direção da Fetems deve ser composta igualitariamente por homens e mulher.
“Isso pode parecer pouco, mas para nós, mulheres, significa um grande passo, de muitos outros que ainda têm que ser dados nesse sentido”, conclui.
Zélia Aparecida dos Santos Aguiar
Era manhã do dia 4 de agosto de 2015. A professora Zélia, algumas lideranças e um grupo de professores protestavam na Câmara Municipal de Campo Grande, depois de a Polícia Federal interceptar diversas ligações telefônicas onde, supostamente, o presidente do Legislativo Municipal à época e um empresário tramavam a cassação de um ex-prefeito e a possível compra de votos de alguns vereadores.
Mas o que Zélia Aparecida dos Santos Aguiar não podia imaginar era que algo que aconteceria algumas horas depois ficaria marcado para sempre em sua memória: Ser agredida, aos 54 anos, por um Guarda Municipal, e ver um companheiro e também professor ser detido por tentar defendê-la do seu algoz.
“Mulheres quase nunca são respeitadas, nem mesmo pelas autoridades que deveriam resguardar sua segurança e integridade. Fui apunhalada, mas milhares de outras mulheres sofrem isso todos os dias. Não consigo esquecer daquele dia, mas nem por isso desisto de lutar ao lado da categoria”, conta, com um misto de pesar e coragem.
Na ativa desde 1986, quando se formou em Pedagogia pela Fucmat, a atual vice-presidente da ACP (Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais da Educação Pública) participou da formação de alunos de escolas públicas e particulares da Capital, como Professor Wilson Taveira Rosalino, Eupídio Reis, Brígida Ferraz Fóss, Oswaldo Tognini e escola Máxima.
Mesmo enfrentando essas e outras adversidades pelo caminho, a professora apaixonada pela profissão não pensa em se aposentar tão cedo “Não estou cansada e ainda tenho um vasto caminho a percorrer. Me sinto responsável pela nossa categoria, que é formadora de opinião, e não pretendo parar agora. Tem muita coisa pela frente ainda”, afirma.
Elza Aparecida Jorge
Ela é categórica ao dizer que nunca sonhou em ser professora, mas tem uma trajetória invejável à frente de grandes reinvindicações em prol da educação pública.
Se ainda hoje muitas mulheres denunciam o tratamento diferenciado entre homens e mulheres e a ausência delas à frente de cargos importantes, Elza Aparecida Jorge conseguiu o que poucas mulheres conseguiram até hoje: ser escolhida para presidir o sindicato de sua categoria, entre 1976 e 1979.
“Ensinar sempre foi um prazer, os alunos sempre marcam a vida de um professor. Não há nada mais satisfatório que pegar um aluno bruto no início do ano e encerrar o período letivo com ele tendo adquirido uma infinidade de conhecimentos que o ajudarão a se desenvolver enquanto cidadão. É uma honra participar desse processo”, conta a docente, com 40 anos de profissão.
Na Cidade Morena, em 1979, Elza consagrou-se como uma das primeiras professoras na escola Padre José Scampini, mas também compartilhou um pouco do seu vasto conhecimento com alunos das escolas José Barbosa Rodrigues, Flora Guimaraes Rosa Pires, tudo isso ainda na época em que professor chegava a ficar de 5 a 7 meses sem receber salários em Mato Grosso do Sul.
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