Lei prevê multa, mas ninguém fiscaliza o uso de cerol em Campo Grande

Valores variam de R$ 200 a R$ 1 mil

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Valores variam de R$ 200 a R$ 1 mil

As férias escolares estão quase no fim, mas o céu dos bairros de Campo Grande segue repleto de pipas, pandorgas ou papagaios, brincadeira muito comum na época. A diversão, porém, deixa de ser saudável quando coloca vidas em risco, e este é o problema do brinquedo artesanal guiado na maioria das vezes por crianças e adolescentes sem a supervisão de um adulto. Em Campo Grande, a comercialização ou uso de cerol e linha chilena geram multas de R$ 200 a R$ 1 mil, mas na prática, ninguém fiscaliza.

As Leis Complementares n.116/2008 e 287/2016, de autoria do vereador Paulo Siufi,  proíbem a produção, o fornecimento, o armazenamento, a venda e o uso do cerol, linha chilena ou qualquer tipo de material cortante  nas linhas de pipas e similares em Campo Grande. A fiscalização, autuação e aplicação das multas é atribuída à Prefeitura Municipal, que após aplicar a penalidade deve comunicar a Polícia Civil para apuração de possíveis infrações penais.

O cerol é uma mistura feita com cola e vidro moído e consegue cortar blocos de isopor e até mesmo garrafas plásticas. Já a linha chilena é comprada pronta, tanto em lojas de aviamento quanto em redes sociais. Ela é feita com pó de alumínio e tem o poder de corte quatro vezes maior que o cerol. Dessa forma, quem é pego usando ou mesmo vendendo esses produtos devem ser penalizados.

Quando a simples diversão de soltar a pipa sai do foco, a famosa “guerrinha” – que é a disputa pelo corte da linha de terceiros -, entra em jogo. O resultado disso é a corrida para o resgate das pipas, quase sempre, com final trágico. 

No último domingo (22), por exemplo, um adolescente, de 14 anos, sofreu queimaduras nas mãos e nas pernas, depois de subir em uma árvore e encostar-se à rede elétrica, na Vila Margarina. A vítima chegou a desmaiar depois de receber a descarga elétrica e foi levada em estado grave à Santa Casa. O garoto recebeu alta nesta terça-feira (24) e apesar de não se recordar do acidente, passa bem. 

“Foi um grande susto para toda a família. Quando vieram nos chamar ele ainda estava desmaiado em cima da árvore. Fo horrível. Assim que ele melhorou, disse que não se lembrava de nada do acidente, apenas que tinha subido na árvore”, afirmou Thaisy Fernanda Gomes de Souza, prima do jovem.

A reportagem foi até o bairro e flagrou dezenas de crianças nas ruas disputando a “guerrinha”. Assim que a linha é ‘torada’, o corre-corre inicia e de forma inacreditável, os carros são obrigados a desviar da molecada. As concentrações de garotos nos bairros Vila Margarida e Marabá ocorrem, principalmente, nas ruas Sérgio Porto, Elizióter Araújo França, Fidalga, do Sóter Araújo França, Abdala Roderbourg e Roberto Medeiros.

O morador do bairro, Paulo Fortunato, de 23 anos, fabrica as próprias pipas para soltar na companhia do enteado. Ele disse à reportagem que tudo não passa da brincadeira e não costuma fazer o resgate das pipas que se perdem no céu. Ele testemunhou o acidente com o adolescente, de 14 anos, no último domingo.

“Eu supervisiono meu enteado e sempre o aconselho sobre os perigos. No dia do acidente com o adolescente, eu ainda fiz o alerta para ele não subir na árvore, mas foi tarde demais”, disse.

Uma moradora, que preferiu não se identificar, disse que já perdeu as contas de quantas pipas caíram no quintal. “Ninguém consegue pará-los são dezenas caindo no nosso quintal. Quando estamos em casa eles pedem, mas se não te ninguém em casa eles até pulam para pegar”, conta.

E foi na Rua Sérgio Porto, que o motociclista Vagno Ferreira da Silva, foi vítima da linha “invisível”, porém “recheada” de cerol -. O fato ocorreu no dia 18 de fevereiro de 2011, quando ele seguia de moto para o trabalho. Vagno foi ferido no pescoço e só percebeu o ferimento quando viu o sangue jorrando da garganta. De moto, ele seguiu até um posto de saúde e foi socorrido pelo Samu (Serviço Móvel de Urgência). 

Em 2009, a batalha entre as pipas degolou um motociclista na avenida Norte/Sul, no Aero Rancho. A vítima foi Valdir Rodrigues Cavalcante, de 36 anos. A tragédia provocou uma corrida para compra de antenas para moto no comércio da Capital, além de intensificar as ações da polícia no combate à prática.

Crime 

Soltar pipas com cerol é crime previsto lei e quem o comete também pode ser enquadrado no artigo 132 do Código Penal, que configura expor a vida ou a saúde dos outros a perigos. 

De acordo com a delegada titular da Deaij (Delegacia Especializada de Atendimento à Infância e Juventude), Aline Sinotti, uma operação de fiscalização deve ocorrer na próxima semana. Ela afirma que crianças e adolescentes que forem pegos nas ruas utilizando o cerol são levados à Deaij, onde responderão pelo ato infracional de expor a riscos a vida e a integridade física de terceiros.

“Os menores são apreendidos e em seguida comunicamos os pais e a Prefeitura. A polícia não aplica as multas, só trabalha na questão criminal”, disse.

Há também um crime previsto aos pais de crianças e adolescentes que deixam os filhos manusear o cerol, o que consiste em permitir que menores utilizem substâncias perigosas e podem ser responsabilizados a pagar multa no valor de três a 20 salários mínimos.

Rede elétrica

Mas os perigos não acabam apenas nas linhas “reforçadas”. A falta de responsabilidade, próximo à rede elétrica também faz muitas vítimas. A Energisa trabalha em parceira com o Corpo de Bombeiros, mas não possui um levantamento de vítimas relacionados à brincadeira.

Lei prevê multa, mas ninguém fiscaliza o uso de cerol em Campo Grande

Porém orienta a população:

– Escolher lugares abertos, como campos de futebol e parques;
– Nunca retirar pipas enroladas nos fios elétricos;
– Jamais usar cerol. Ele pode machucar pessoas, causar mortes e romper fios;
– Não usar papel alumínio ou fios metálicos para fazer pipa. Eles conduzem energia, provocam choques e curtos-circuitos;
– Não suba em árvores, muros ou telhados para soltar ou resgatar pipas. É muito perigoso!
– Em caso de acidentes envolvendo pipa e rede elétrica, entre em contato imediatamente com o Corpo de Bombeiros pelo 193 e com a Energisa pelo 0800 722 7272.

Valores das multas

O descumprimento da lei implica em apreensão integral do material e aplicação de multa. Conforme o artigo 3º da lei: 

§ 1º – Em caso de apreensão do material nos estabelecimentos comerciais, o citado material será imediatamente apreendido, sendo lavrado auto de infração contendo o tipo e quantidade confiscada, bem como será aplicada multa ao proprietário no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). 

§ 2º – Em caso de apreensão de linhas contendo cerol ou linha chilena ou outros materiais e artefatos cortantes em posse de particulares para seu uso próprio, esses artefatos serão apreendidos e aplicado multa no valor de R$ 200. 

§ 3º – Na hipótese de o infrator ser menor aplicar-se-ão as medidas socioeducativas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e Adolescente. A pena deve ser estendida àqueles que, de qualquer modo, participarem ou concorrerem para a sua prática, de acordo com a natureza da infração e de suas consequências. Os pais ou responsáveis legais responderão como coautores da prática do ilícito praticado por seus filhos ou representados legais. 

§ 4º. Em caso de nova infração em um período de dois anos, a multa será aplicada em dobro. 

§ 5º. Os valores das multas fixados neste artigo, serão reajustáveis anualmente pelo índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), nos termos da Lei n. 3.829, de 14 de dezembro de 2000, ou por outro indexador que vier a substituí-lo ou modificá-lo por força de Lei.

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