170 pessoas foram abrigadas somente na segunda-feira
Campo Grande tem mais de mil moradores enfrentando o frio sem a proteção de paredes e teto. No último levantamento oficial, de 2016, a SAS (Secretaria de Assistência Social), informava 1200 pessoas em situação de rua. E não há informação oficial sobre se houve aumento desde então. Com a chegada do inverno e a queda brusca nas temperaturas, também aumenta a parcela dessa população que busca abrigo.
Na madrugada desta segunda-feira (19), 170 pessoas buscaram um local para dormir, 90 delas no Cetremi (Centro de Triagem e Encaminhamento do Migrante) – que também abrange migrantes – e outras 80 no Centro POP, ambos serviços da Prefeitura de Campo Grande.
“As estratégias que a Secretaria de Assistência Social tem é a busca ativa e abordagem diária realizada pelo SEAS [Serviço Especializado de Serviço Social] nas ruas, ofertando os serviços do Centro Pop durante o dia e do Cetremi durante a noite, que é uma casa de acolhimento, onde podem se alimentar, fazer sua higiene pessoal e dormir”, explicou a assessoria de imprensa da Secretaria.
O Cetremi é mais direcionado aos migrantes, e centralizado no atendimento durante a noite. A assessoria afirma que esse número de 1200 ‘varia’ em “decorrência do clima por exemplo, períodos de baixas temperaturas, períodos de maior índice de desemprego, uso de drogas, mais pessoas em situação de rua”.
O frio que ninguém quer ver
Quando o assunto são as pessoas em situação de rua, parte do entendimento do poder público sobre o assunto é que elas devem ser forçadas a deixarem a rua, e o vício em substância, que contempla muitos dos ‘moradores de rua’.
Mas não é bem assim. Apesar das adversidades, a rotina estabelecida por essas pessoas oferece mais desafios do que parece e nem sempre o abrigo público é o caminho escolhido por elas. É o caso de Ezequiel Ribeirio, 37, que vive na rua há 20 anos. Parte desse tempo, no entanto, ele passou em cárcere privado, cumprindo pena por crimes que chamou de “desacato a autoridade e revolta”.
Para ele, o período no presídio marcou a vida para sempre. Hoje, Ezequiel sobrevive no centro da cidade, ganhando trocados enquanto cuida dos carros. “Foi pela vida na Agepen [Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário] que minha vida não tem mais valor nenhum. Sou filho de criação. Cresceram os olhos para minha vida e foi onde que eu virei um lixo, mesmo pagando os meus 10 anos de cadeia e nada dá certo”, comenta ele.
Ezequiel relatou que já viu vários companheiros morrerem de frio, especialmente em 2013, lembra ele, período “de um frio bárbaro”. “Já morei no Cetremi. Vivi, gostei, um lugar da hora, mas aí eu agoniei, como se eu estivesse no sistema carcerário ainda”, conta ele, sobre o abrigo. O sofrimento maior, no entanto, é o filho, Henrique, de cerca de 12 anos, que ele não vê há 3.
A SAS, no entanto, declarou que não ‘força’ nenhuma pessoa em situação de rua à buscar abrigo ou tratamento. “O SEAS identifica indivíduos ou famílias, assim como crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, exploração sexual, uso abusivo de crack e outra drogas, que utilizam os espaços públicos como meio de moradia e/ou de sobrevivência.
O SEAS funciona no período de 24h, sendo que até as 23h a equipe encontra-se nas ruas da cidade realizando a abordagem social, com o intuito de acolher os indivíduos que aceitam o convite para pernoitar no Centro de Triagem e Encaminhamento do Migrante/Cetremi, entretanto, muitos não aceitam e/ou estão sob efeito de álcool e outras drogas”, explicou a assessoria de imprensa da pasta.
No mês de maio, a Secretaria atendeu 129 pessoas e explicou que muitos dos que são vistos em situação de rua estão ali para o acesso mais facilitado às drogas, mas que têm, na verdade, onde morar.
Outra questão que deve atingir essa camada da população é o projeto de Revitalização da Região Central de Campo Grande, o Reviva Centro. Isso porque, dividido entre projetos de comércio e moradia, o próximo semestre deve dar início às obras e promover alterações na região. Hoje, a área da orla ferroviária e da rodoviária antiga são locais onde parte da população em situação de rua se concentra.
Questionada sobre o assunto, a SAS informou, por meio da assessoria de imprensa, que ainda não foi chamada a participar do projeto.