Santa Casa demite médico por cobrar cirurgia do SUS, mas TRT devolve emprego
Trabalhadora rural analfabeta disse ter pago R$ 1,5 mil por procedimento
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Trabalhadora rural analfabeta disse ter pago R$ 1,5 mil por procedimento
Que os corredores da Santa Casa, o maior hospital de Mato Grosso do Sul, são repletos de histórias, nem sempre bonitas, e que raramente vêm à tona, a gente sabe. Uma delas, em pleno desenrolar, dá pistas de o quanto as outras, desconhecidas, podem ser, escandalosas: um médico que trabalha no hospital há 30 anos, de 64 anos, foi demitido no dia 7 de janeiro, há um mês, sob suspeita de cobrar para fazer uma cirurgia de paciente atendido pelo SUS (Sistema Único de Saúde), ou seja, de fraudar o sistema. Inconformado com a decisão, ele foi ao Tribunal Regional do Trabalho e conseguiu ser reintegrado ao cargo nesta quinta-feira e vai continuar trabalhando mesmo pairando sobre ele a suspeita de enganar pacientes para obter lucro.
O médico em questão é o cirurgião-geral Jayme Hioshinori Oshiro, funcionário da Santa Casa desde 1982. A irregularidade da qual é suspeito foi descoberta no dia 22 de dezembro de 2015, quando uma trabalhadora rural, de 48 anos, analfabeta, vinda de um hospital de Sete Quedas estava na mesa de cirurgia e disse ao anestesista que havia pago pela cirurgia de retirada de vesícula. Como a internação havia sido feita pelo SUS, o profissional estranhou e recusou-se a fazer o procedimento. O diretor do Centro Cirúrgico foi chamado, então, e iniciou-se a investigação.
A cirurgia foi suspensa e só realizada dois dias depois, em 24 de dezembro, por outro profissional.
Valor pago
Segundo o que está relatado na sindicância aberta pela Santa Casa, a quantia envolvida foi de R$ 1,5 mil pela cirurgia e R$ 800,00 pelo atendimento no consultório do médico, que fica na região da Santa Casa. O médico fala em R$ 300 pela consulta.
Conforme relato dos profissionais presentes ao centro cirúrgico, quando a situação foi descoberta, o médico pediu para conversar com a paciente e chegou a anotar no prontuário que ela receberia alta por “apresentar melhora considerável”, situação contestada por outro profissional ouvido. No relato da paciente, ao SAC da Santa Casa e à comissão de sindicância, Jaime Oshiro conversou com ela para dizer que não faria mais a cirurgia e que “havia dado B.O”. Teria dito, ainda, que “sempre trabalhou assim”, sem ter problema e, teria pedido para que ela mentisse sobre o pagamento, dizendo ter entregue em outro lugar e não no consultório.
Há, inclusive, relato de um médico afirmando que ouviu de colegas que o profissional havia ‘brigado’ com a paciente, depois de pedir para ficar a sós com ela na sala de cirurgia. A sindicância também tem a afirmação de que já se ouviu boatos sobre fatos parecidos, mas sem provas.
A investigação aponta que o médico devolveu os R$ 1,5 mil, e, quando ouvido na sindicância, alegou ter recebido como forma de doação. Disse a mesma coisa à Justiça do Trabalho. Em todos os seus testemunhos, porém, a trabalhadora rural e a filha que a acompanhava disseram ter pago o valor pelo procedimento de urgência.
Antes de ser demitido, o médico foi suspenso por 15 dias. O advogado que representou o médico alegou, ao ser ouvido, não haver provas de cobrança pelo procedimento e que a suspensão por 15 dias já era punição suficiente. Também elogiou o profissional, dizendo que em mais de 25 anos, não há qualquer irregularidade em sua conduta. Também foi citado o arrependimento dele, comprovado com a devolução do dinheiro, e o fato de estar prestes a se aposentar. A Santa Casa, porém, optou por encerrar o contrato do médico.
Em sua análise, a comissão entendeu que o médico feriu os princípios de honestidade, burlou o fluxo normal do hospital ao passar a paciente na frente na fila, mas não sugere punição, dizendo que o julgo final está a cargo do departamento jurídico. A decisão final do hospital foi pela demissão.
Inconformado, ele moveu ação no Tribunal Regional do Trabalho. Segundo a alegação da defesa, a demissão foi irregular, pois não deu oportunidade de defesa ao médico, apesar de ele ter sido ouvido durante a sindicância, quando admitiu ter recebido o dinheiro, mas alegou ser uma doação e estar arrependido. Em sua defesa, o cirurgião alega que o testemunho da paciente, prestado a uma funcionária da Santa Casa, não tem validade por ela ser analfabeta, assim como a filha.
O cirurgião também considera-se, no processo, prejudicado e por isso pede indenização por danos morais no valor de R$ 144,7 mil, equivalente a 12 salários que eram pagos ao profissional pelo hospital.
Em relação à demissão, o magistrado Júlio César Bebber, da 2ª Vara do Trabalho, decidiu, em caráter de antecipação de tutela, pela reintegração do médico aos quadros da Santa Casa. Quanto ao pedido de indenização, vai depender do andamento do processo, ainda no estágio inicial.
A reportagem conversou com o advogado da Santa Casa, Carmelino Rezende, mas ele pediu para que fossem lidos os autos do processo, alegando que se trata de um “problema pessoal” do médico. O processo, em sua grande parte, é sigiloso. O defensor do médico, Milton Costa, foi procurado e não retornou às ligações. (Matéria editada às 16h38 do dia 5 de janeiro para correção de informações)
Trecho da sindicância em que paciente confirma pagamento a médico, que ele chama de doação.
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