Em vias de renovar contrato, empresa também usaria tubos de amianto

Responsável pelos serviços de saneamento básico ofertados aos mais de 210 mil habitantes de , a 228 quilômetros de Campo Grande, a (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul) tem o apoio do atual prefeito, Murilo Zauith (PSB), para renovar o contrato de concessão com o município por mais 30 anos. Enquanto essa proposta segue engavetada na Câmara de Vereadores por recomendação do MPE (Ministério Público Estadual), a empresa enfrenta acusações pesadas que vão de poluição de córregos com esgoto não tratado até o fornecimento de água contaminada por agrotóxicos através de tubulações com material cancerígeno.

Esse cenário alarmante consta em denúncias já formalizadas através de dois processos Judiciais e no discurso feito pela vereadora Virgínia Magrini (PP) durante a sessão ordinária do dia 6 de junho na Câmara de Dourados, ocasião em que os parlamentares aprovaram em primeira discussão o projeto que autoriza o Executivo municipal a renovar a concessão.

AS ACUSAÇÕES

Em processo atualmente suspenso na 5ª Vara Cível da Comarca, o MPE acusa o despejo de esgoto sem o devido tratamento em córregos que desaguam no Rio Dourados, principal fonte de abastecimento para os habitantes do município. E na 1ª Vara da Justiça Federal de Dourados, promotores estaduais e o MPF (Ministério Público Federal) apontam a contaminação desse mesmo rio por agrotóxicos.

Ambas as denúncias são respaldadas por análises técnicas feitas por laboratórios. Mas os processos se arrastam desde 2012 e desde então não houve qualquer condenação ou decisão judicial que determinasse mudanças nesse quadro alarmante denunciado por promotores e procuradores.

Mas a Empresa de Saneamento nega essas irregularidades, garante manter controle constante da qualidade da água que fornece nos municípios em que possuiu concessão e pontua que “a população é a maior beneficiária, pois pode ter a tranquilidade de estar consumindo uma água de qualidade”.

ESGOTO NÃO TRATADO

Quanto ao despejo de esgoto não tratado em córregos do município, alvo de denúncia convertida em ação civil pública em 2012, os promotores Paulo César Zeni e Ricardo de Melos Alves ressaltaram que conclusões “alcançadas após um longo processo de acompanhamento desde o ano de 2007” revelaram que, “não obstante a SANESUL tenha omitido dados importantes a respeito das análises laboratoriais dos parâmetros bacteriológicos do efluente final, logrou-se constatar a ocorrência de várias inadequações nos padrões de qualidade dos efluentes finais lançados pela empresa de saneamento”.

À época, o MPE citou vistorias técnicas e pontou: “A ETE Água Boa – os parâmetros DBO, Turbidez e Óleos e Graxas do efluente final não atendem a Resolução CONAMA 357/05. As ETEs Guaxinim e Água Doce – os parâmetros DBO, Fosfato e Óleos e Graxas do efluente final não atendem a Resolução CONAMA 357/05.”.

A perícia judicial dessa ação chegou a apontar índices acima do tolerável de rejeitos nos córregos Água Boa, Laranja Doce e Rego D'água, mas foi contestada pela empresa e houve divergências reconhecidas até mesmo pelo MPE sobre os parâmetros utilizados. Com isso, a própria Promotoria de Justiça pediu a suspensão da ação judicial em março deste ano, ao alegar a possibilidade de acordo extrajudicial com a empresa.

Questionada pelo Jornal Midiamax, a Sanesul informou que “jamais lançou esgoto não tratado nos córregos Água Boa, Laranja Doce e Rego D'água, ou mesmo em qualquer outro curso d'água”. A empresa argumentou que “todo esgoto coletado pela Sanesul é devidamente tratado antes da disposição final” e alegou que “a Ação Civil Pública citada foi movida em face de divergências de interpretação da legislação ambiental aplicável ao caso, mas após a perícia realizada judicialmente, que apontou que o tratamento realizado pela Sanesul atende a todos os parâmetros ambientais previstos na legislação, o processo foi suspenso para a celebração de um acordo, cuja minuta está sendo elaborada pelo Ministério Público Estadual”.

AGROTÓXICOS NA ÁGUA

No processo sobre a contaminação da água consumida pelos douradenses, que tramita na 1ª Vara da Justiça Federal, são réus a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a União Federal e o Estado de Mato Grosso do Sul. Mas o objeto de acusação do MPF é a presença de agrotóxicos na água coletada em cavaletes da área urbana da cidade e fornecida pela Sanesul.

Conforme documento ao qual o Jornal Midiamax teve acesso, essa contaminação foi atestada pelo Laboratório Central de Saúde Pública do Paraná em água coletada de junho a agosto de 2010 em cavaletes no Jardim Canaã e no Jardim Universitário. O próprio MPF divulgou a constatação da “presença do agrotóxico clorpirifós etílico – inseticida, pesticida e formicida, classificado como altamente tóxico pela Anvisa – e o temefós – larvicida comumente utilizado contra proliferação de mosquitos”.

No decorrer do processo, contudo, o Estado de Mato Grosso do Sul apresentou análises da própria Sanesul que atestam, segundo sua defesa, a perfeita qualidade da água que fornece aos mais de 210 mil douradenses. Mas Procuradoria da República afirma que o laboratório contratado para fazer esses exames não está devidamente credenciado para o serviço.

Procurada, Sanesul informou “que realiza periodicamente análise da água distribuída aos consumidores, tanto em Dourados quanto em todos os outros municípios atendidos, e nunca houve qualquer alteração que apontasse a presença de agrotóxicos na água”. Segundo a Empresa, “a Ação Civil Pública citada nem sequer é movida contra a Sanesul, mas tão somente contra a União, o Estado, o IBAMA e a ANVISA, pois durante a fase de inquérito ficou demonstrada a ausência de contaminação da água distribuída pela Sanesul por qualquer agrotóxico”.

“A Sanesul aproveita a oportunidade para informar a população douradense que não há qualquer possibilidade de a água distribuída estar contaminada por agrotóxico ou por qualquer outro tipo de contaminante. A Sanesul realiza o controle da qualidade da água em dez laboratórios regionais e um laboratório central, com acreditação pelo INMETRO e profissionais altamente capacitados, mantendo sempre os índices de potabilidade estabelecidos pela legislação. A população é a maior beneficiária, pois pode ter a tranquilidade de estar consumindo uma água de qualidade”, ressaltou.

Além disso, conforme a Sanesul, “a portaria 2914/11, Art. 40 do Ministério da Saúde, preconiza que sejam feitas análises semestrais para Mananciais Superficiais e Subterrâneos. No caso de Dourados, a Sanesul realiza, através de Empresa terceirizada, essas análises mensalmente, tanto do Rio Dourados como da Saída do Tratamento da Estação de Tratamento de Água. O Laboratório Central da Sanesul também realiza análises da Saída do Tratamento e do Rio Dourados mensalmente”.

TUBULAÇÃO DE AMIANTO

Já a tubulação com cimento de amianto, material classificado como cancerígeno pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e banido em mais de 60 países, foi denunciada pela vereadora Virgínia Magrini (PP) na sessão em que 15 parlamentares aprovaram em primeira votação o projeto de lei encaminhado prefeito de Dourados para autorizar um novo contrato de 30 anos com a empresa.

Em matérias institucionais publicadas no próprio site oficial, a Sanesul já reconheceu a presença dessas tubulações em boa parte da cidade desde a década de 1970. Mas diante dos questionamentos feitos pelo Jornal Midiamax, argumentou ser “preciso esclarecer que a tubulação de amianto não causa nenhum mal à saúde, já que o amianto somente é tóxico quando inalado em forma de poeira”.

“Contudo, por serem de difícil manutenção e por existirem tubulações mais resistentes, como as feitas de PVC, a Sanesul tem substituído o amianto nas cidades onde atua. No município de Dourados, ainda existem tubulações de amianto, contudo, nenhuma ligação de água está conectada a essas tubulações. Todas as redes de água de onde derivam as ligações residenciais foram substituídas por tubos de PVC”, justificou.

SUSTÂNCIAS CANCERÍGENAS

Essas três acusações são parte dos argumentos apresentados por quem manifestou-se contrário à pressa demonstrada pelo prefeito e seus aliados para a renovação da concessão com a Sanesul. Já a contaminação dos córregos por esgoto não tratado foi um dos pontos considerados pelo MPE ao expedir a recomendação que resultou na retirada do projeto da pauta antes que fosse para 2ª e última votação.

Classificado como cancerígeno pela Organização Mundial de Saúde, o amianto já foi banido em pelo menos 60 países pelos riscos à saúde humana. No Brasil, chegou a ser proibido em alguns estados brasileiros, mas em 2012 o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou inconstitucionais essas legislações estaduais.

O consumo de agrotóxicos também é apontado por especialistas como responsável por desenvolvimento de câncer. Mas no caso de Dourados, não há, até o momento, qualquer comprovação de relação entre a presença de tubulação de amianto e elevados índices de defensivos agrícolas na água consumida pela população e o encaminhamento de 144 pacientes do município para tratamento intensivo e outros 1.461 para tratamento de rotina no Hospital do Câncer de Barretos em 2014. Em 2015, essa mesma unidade hospitalar fez 1.935 atendimentos a 123 pacientes da segunda maior cidade do Estado.