Prefeitura vai abrir sindicância sobre Santa Casa após demissão de médico

Investigação indica existência de esquema para ‘furar’ fila de espera

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Investigação indica existência de esquema para ‘furar’ fila de espera

O prefeito de Campo Grande, Alcides Bernal (PP), informou que o Município vai abrir sindicância para apurar a denúncia de fraude ao SUS (Sistema Único de Saúde), diante da notícia de demissão de um médico da Santa Casa de Campo Grande, por cobrar R$ 1,5 mil de uma paciente que seria operada pelo sistema público, no fim de 2015. A sindicância que investigou o caso concluiu haver indícios de uma “rede” para assegurar a pacientes, principalmente vindos do interior, a facilitação do acesso a cirurgias, ou seja, ‘furar’ a fila de espera pelos procedimentos.

A existência do esquema, suspeita antiga em Campo Grande, foi assunto de matéria publicada neste sábado pelo Jornal Midiamax, como desdobramento da investigação interna do hospital que resultou na demissão do médico Jaime Oshiro, no dia 7 de janeiro. A Prefeitura vai investigar o caso, segundo a informação do prefeito, por ser gestora do SUS. Por mês, a Santa Casa recebe mais de R$ 20 milhões para custear os atendimentos públicos.

De acordo com Alcides Bernal informou a sindicância será para “verificar o convênio com a Santa Casa, os procedimentos e as prestações de contas”.

Prefeitura vai abrir sindicância sobre Santa Casa após demissão de médicoA suspeita

O cirurgião-geral Jaime Oshiro foi dispensado do hospital sob suspeita de cobrar R$ 1,5 mil de uma trabalhadora rural analfabeta vinda de Fátima do Sul para fazer procedimento de retirada de vesícula, no dia 22 de dezembro. Ele chegou a conseguir a reverter a demissão na Justiça do Trabalho, mas depois uma nova decisão validou a punição do hospital.

A existência do esquema também está sob investigação sigilosa do MPE (Ministério Público Estadual). A situação foi descoberta quando a operação estava por acontecer, pelo sistema público de saúde, apesar do valor repassado ao médico, conforme o relato da paciente. O profissional afirma ter recebido apenas uma doação da paciente e devolvido, após tudo ser descoberto.

Depois de ouvir 10 pessoas – entre médicos, profissionais de enfermagem, o próprio cirurgião, o defensor dele, a paciente e a filha dela – os quatro profissionais a cargo da sindicância concluem, em seu relatório, que a história da denunciante indica que o processo pelo qual ela chegou até à mesa de cirurgia “assegura um mecanismo mais ágil para a realização do procedimento cirúrgico, sugerindo a configuração de uma rede para que a ação tivesse êxito”.

Casos semelhantes já foram noticiados, mas de forma isolada. Em 2013, por exemplo, um dos médicos mais conhecidos da Santa Casa, o cirurgião cardíaco João Jasbik esteve envolvido em uma denúncia do tipo. Ele continua atuando.

Na sindicância em relação ao médico Jaime Oshiro, os profissionais afirmam que a apuração não seria de competência deles, e que fica a “cargo de outras instâncias a avaliação do cenário externo”.

A análise final da sindicância registra que o depoimento da denunciante indica que a “rede” começa na cidade de origem. A trabalhadora afirma ter vindo do hospital em Sete Quedas, a 465 quilômetros de Campo Grande, onde ficou internada com diagnóstico de pedra na vesícula, já com a indicação de procurar o “dr Jaime” e ficar na “pensão do Sidney”, na Rua Rui Barbosa, em frente ao hospital.

Segundo ela, no dia 21 de dezembro, um funcionário da pensão a levou ao consultório do médico, na Rua Abraão Júlio Rahe, na mesma região, em veículo do estabelecimento. Lá, diz ter pago R$ 800,00 pela consulta e mais R$ 1,5 mil pelo procedimento de retirada da vesícula. Uma cirurgia desse tipo, particular, custa pelo menos o triplo, sem considerar os gastos com internação.

O combinado com o médico, conforme a paciente, foi de ir para a Santa Casa à noite, durante o plantão, e de não falar com ninguém até que o encontrasse. A sindicância registra que o médico descumpriu o fluxo normal do hospital, pois ela deveria ter sido internada pelo plantonista e não por Oshiro, que não estava atuando na cirurgia neste dia. Ainda assim, ele marcou o procedimento para o dia seguinte, 22 de dezembro, quando tudo foi descoberto pelo anestesista, quando a trabalhadora revelou haver pago por um procedimento particular. A operação foi suspensa, e o caso passou a investigado. A trabalhadora só fez o procedimento dois dias depois, com outro profissional.

A forma como a paciente chegou ao hospital também ignora o sistema de regulação de vagas estadual, que define a distribuição de vagas para pacientes do interior. Em sua conclusão, a comissão de sindicância sugere à Santa Casa que a Santa Casa analise “o critério de encaixe de cirurgias de urgência ou crie um sistema de auditoria para avaliar a procedência dos encaixes das cirurgias”.

Investigação sigilosa

A direção do hospital, por meio da assessoria jurídica, informou que, além da demissão do médico, encaminhou os resultados da apuração para investigação do MPE (Ministério Público Estadual). Já existe inquérito sobre o assunto na 22ª Promotoria, correndo em sigilo. A mesma promotoria inquérito aberto contra o médico, denunciado por dois casos de cobrança de pacientes para procedimentos pelo SUS.

As investigações vão apurar tanto a conduta dos médicos quanto o envolvimento de terceiros, como o de donos das pensões que ficam próximas à Santa Casa. A “pensão do Sidney”, onde a paciente de Sete Quedas diz ter recebido o encaminhamento para o consultório de Jaime Oshiro é conhecida na região e movimentada. No local, a informação dada à reportagem é que o estabelecimento tem convênios com prefeituras do interior prevendo desconto para hospedagem de pacientes que vêm se tratar na Santa Casa.

O prefeito de Fátima do Sul, de onde veio a responsável pela denúncia em questão, José Gomes, confirmou o convênio, disse que ele foi feito em gestões passadas e mantido, e negou a indicação de profissionais para atendimento às pessoas que saem da cidade para vir a Campo Grande.

A Santa Casa também encaminhou o resultado da investigação ao CRM (Conselho Regional de Medicina). O órgão informou que não pode se manifestar sobre abertura ou não de processo ético contra Jaime Oshiro, pois só faz isso quando o trabalho é encerrado.

Procurado pela reportagem, o médico pediu para que o contato fosse feito com o advogado, Milton Costa, que não respondeu às ligações feitas.

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