Entidades divulgaram notas
O MPF-MS (Ministério Público Federal de Mato Grosso do sul) e a Polícia Federal ‘trocaram farpas’ após o MPF concluir a investigação e apontar que o tiro que matou o indígena terena Oziel Gabriel, 35, em 2013, saiu de uma arma da Polícia Federal. Os procuradores da república e os delegados de Polícia Federal, por meio de suas associações, divulgaram notas públicas, com teor crítico uma ao trabalho da outra.
Por meio da nota de repúdio “Delegados Federais recomendam à Procuradora do MPF que não atue pautada por interesses ideológicos”, a ADPF (Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal) criticou a investigação do MPF quanto a morte de Oziel.
“Obviamente que é função institucional do Ministério Público defender os direitos e interesses da população indígena, mas não deve se descurar do equilíbrio, da razoabilidade, da justiça e do respeito para com os profissionais que tem a árdua missão de fazer cumprir as decisões judiciais, superar as intercorrências e garantir a manutenção da ordem, muitas vezes somente possível com o uso da força, até mesmo para defender a vida de terceiros e dos proprios policiais”, afirma a nota.
A nota também critica a ação de improbidade administrativa do MPF contra a delegada Juliana Resende Silva de Lima. A delegada deu parecer na sindicância interna da PF, que apurou as possíveis falhas na reintegração de posse. Ela é esposa de um dos comandantes da operação que culminou na morte do indígena, o delegado Eduardo Jaworski de Lima, um dos principais interessados no arquivamento. A ação tramita na Justiça Federal de Campo Grande.
“Tão absurda quanto as conclusões que lastrearam a recomendação é a propositura de ação de improbidade em desfavor da Delegada de Policia Federal JULIANA RESENDE SILVA DE LIMA. A procuradora escolheu a Dra. JULIANA como uma espécie de ‘bode expiatório’ de suas conclusões sem lastro fático e jurídico”, critica.
A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) por sua vez, respondeu à nota, com o título “ANPR rechaça críticas ao trabalho da procuradora da República Analícia Hartz”, divulgada no site da ANPR e no site do MPF-MS. “Ao contrário do que tenta insinuar a ADPF, Analícia Hartz pautou sua atuação pelo estrito cumprimento de suas atribuições constitucionais, imprimindo caráter imparcial, técnico e dentro da mais rígida observância da legislação vigente”, declara.
Assinada pelo presidente da ANPR, o procurador da república José Robalinho Cavalcanti, a nota defende a postura do MPF no caso, afirmando que foi embasado em provas documentais. “Vale destacar que ambos expedientes ali referidos – Recomendação nº 01/2016/MPF/PR/MS/GAB/AOH e Ação de Improbidade Administrativa –, e outros mais, estão fundamentados no despacho de 75 laudas disponível ao final da nota divulgada pelo MPF. As manifestações ministeriais estão embasadas integralmente nas provas produzidas na Sindicância Administrativa da Corregedoria da Polícia Federal e no Inquérito Policial (nº 0240/2013) também conduzido pela Polícia Federal”, afirma.
A ANPR, por meio da nota, ‘lembrou’ a PF que é de competência da procuradoria o ‘controle externo da atividade policial. “Compete ao Ministério Público Federal o controle externo da atividade policial, atribuição que coube a procuradora Analicia, em nome do estado brasileiro. A procuradora foi diligente e responsável, e ao receber o relatório do inquérito, avaliou que a mais relevante prova produzida para determinar a autoria do homicídio de Oziel Gabriel havia sido ignorada, tendo em vista a sugestão de arquivamento contida no documento. O laudo do setor técnico da própria Polícia Federal indicava que a bala que acertou Oziel seria de características de uso exclusivo da Polícia Federal”.
Entenda o caso
Três anos e quatro meses após a morte do índio da etnia Terena, Oziel Gabriel, 35 anos, durante a reintegração de posse na fazenda Buriti, em Sidrolândia, cidade a 80 quilômetros de Campo Grande, o MPF-MS chegou a conclusão que tiro que matou o indígena saiu de uma arma da Polícia Federal.
O inquérito da PF foi concluído em dezembro de 2013 e não apontou nenhum culpado pela morte de Oziel Gabriel. A ação foi considerada desastrosa pelo MPF, que não aceitou a conclusão, realizando outro procedimento de investigação.
O MPF aponta que a própria PF concluiu que Oziel Gabriel foi atingido por munição 9 milímetros, marca CBC com encamisamento tipo Gold, de uso exclusivo da Polícia Federal. “Não se sustente que, naquela situação, portando faca, arco e flecha, a cerca de 100 metros de distância do pelotão, o indivíduo apresentava imediato risco de morte, pois, fosse assim, mais da metade dos indígenas seria alvo de ação letal da Polícia. Apesar da conclusão de que o tiro que matou o indígena partiu de uma arma usada pela Polícia Federal, não se obteve sucesso em localizar a munição para identificar o policial autor do tiro, de forma que não restou alternativa que não o arquivamento do inquérito policial nº 0240/2013”, diz trecho do procedimento administrativo destacado pelo MPF.
O MPF concluiu que a operação policial foi fracassada e com erros que resultaram na morte de Oziel Gabriel, sete feridos por arma de foto: quatro policiais, 2 indígenas e um cão militar; nove policiais feridos por pedras e 19 indígenas feridos por bala de borracha, totalizando 36 vítimas.“E todo esse prejuízo com eficácia zero, já que duas horas após finalizada a operação (17 horas), a fazenda foi reocupada”.
A PF emitiu nota na quinta-feira (20), na qual repudia informação divulgada pelo MPF. “A Polícia Federal realizou investigações aprofundadas e exaustivas, seja na esfera criminal, seja na esfera administrativa, buscando elucidar o ocorrido e mesmo utilizando de todas as técnicas periciais disponíveis não conseguiu determinar o calibre do armamento que vitimou o indígena. Uma vez que não foi localizada a munição, não existe como asseverar com certeza o calibre do armamento, sendo qualquer afirmativa diferente uma mera ilação”, diz o texto.
Não é a primeira vez que MPF e Polícia Federal ‘trocam farpas’ quanto ao trabalho em casos que envolvem comunidades indígenas. Após operação da Força-Tarefa Ava Guarani, criada pelo Procurador da República Rodrigo Janot há cerca de onze meses para apurar crimes contra comunidades indígenas do estado, o MPF-MS e a policia federal mostraram discordâncias.
Segundo o MPF, a Polícia Federal demorou mais de 40 dias para cumprir as prisões preventivas de cinco fazendeiros envolvidos no assassinato de Clodiode Aquilei Rodrigues, 26, na fazenda Yvu, em Caarapó, no dia 14 de junho.
“Apesar da morte de um índio e da lesão de outros nove, foi necessário aguardar 44 dias para que os responsáveis pela violência fossem presos. Se não houvesse essa demora injustificada, ao menos seria possível evitar o segundo ataque à comunidade, que feriu três indígenas”, criticou o MPF.
A PF respondeu, afirmando que ‘primeiramente, não ocorreu qualquer atraso injustificado para o cumprimento das decisões judiciais, sendo que causa espécie esta manifestação, uma vez que o MPF participou de todo o processo de investigação, acompanhando todas as necessárias diligências realizadas pela Polícia Federal para o deslinde da questão”, afirmou a nota’.