O bairro de Campo Grande foi arrasado pelas enxurradas que já mataram pelo menos 343 pessoas em Teresópolis. Da localidade alegre e movimentada que existiu até o dia 11 de janeiro sobraram apenas poucas casas em ruínas e as demais condenadas pela Defesa Civil.

Como foi ordenada a desocupação de Campo Grande, o bairro mais parece uma cidade fantasma, devastada por uma guerra. Pouquíssimas pessoas se arriscam a caminhar pelos escombros, na tentativa de recolher algo útil que tenha sobrado.

As casas que ainda estão em pé dão passagem fácil ao visitante, pois já não há portas e as paredes desabaram. No interior, vestígios dos últimos momentos de aflição e sofrimento de famílias que tentaram se salvar ou que saíram às pressas, deixando tudo para trás.

Os brinquedos das crianças ainda estão espalhados pelo quintal. Cadernos e agendas ficaram em cima dos móveis, ainda com as últimas anotações escritas com lápis.

Roupas, sapatos, objetos de decoração se espalham pelos quartos devassados, de janelas abertas, escancaradas para o nada em que se transformou Campo Grande, um silencioso monte de entulhos, pedras, paus e restos de construções.

Na cozinha de uma casa, o prato com um garfo dentro, em cima da pia, pode ter sido a última refeição de alguém que não voltou ou que já está morto. O número de vítimas fatais ainda é incerto, pois há um grande número de desaparecidos na cidade, que na última sexta-feira (28) era de 235.

Entre as estatísticas dos desaparecidos estão o filho único, a nora, o neto e um sobrinho do comerciante Edésio Ramos, de 56 anos. Na madrugada do dia 12 ele ainda tentou chegar em casa, mas não conseguiu. No dia seguinte, descobriu que tudo havia sido destruído. Ele continua a buscar seus parentes, pois dos quatro, só o corpo do sobrinho foi reconhecido e os demais continuam desaparecidos.

“É pior o desaparecimento. Porque quando você enterra, pelo menos faz o enterro digno de um filho”, lamentou Edésio, que já foi ao Instituto Médico Legal e a outros lugares, mas até agora não teve qualquer notícia de nenhum dos três.

Apesar da dor e das lembranças do lugar, ele reluta em abandonar o bairro, que teve luz e água cortadas por ordem da prefeitura, para evitar que os moradores voltem às suas casas. “Se a lei deixar, vou permanecer. Aqui ou em outro lugar a dor vai ser a mesma”.

Permanecer em Campo Grande, apesar de tudo o que aconteceu, também é a vontade de Amancio Gonçalves, de 56 anos, que trabalha como cabouqueiro  (que fura e molda pedras). Ele viu sua casa, que construiu durante toda a vida, ser tomada pela água. No mesmo imóvel moravam cinco filhos e suas famílias. Todos se salvaram, mas estão desabrigados.

“Eu não tenho para onde ir. Onde querem me botar, eu não quero. Abrigo nem pensar”, protestava Amarildo, enquanto ajudava a tirar a lama de dentro de casa, ao mesmo tempo que uma retroescavadeira derrubava um imóvel próximo ao seu.

Amarildo Lopes, de 17 anos, ainda estava em dúvida se deixaria a casa em que morava, de onde conseguiu se salvar com a mãe durante a enxurrada. Apesar da água ter invadido o imóvel, as paredes resistiram. Foi construído pelo pai, que acabou morrendo, arrastado pelo rio. Outros 26 parentes seus também morreram: “Eu não quero abandonar esta casa, onde moro desde os dois anos de idade”.

Enquanto uns lutam para ficar, outros não conseguem conviver com a lembrança de permanecer no cenário de tanta destruição. A intenção da aposentada Nilda Ferreira, de 59 anos, é não voltar mais para o bairro, onde morou por quase toda a vida e ajudou a cuidar de inúmeras crianças da vizinhança, além dos cinco filhos.

Ela perdeu oito parentes e muitos amigos: “Eu choro todo o dia. Na minha opinião, do jeito que morreu gente aqui, ninguém mais devia morar neste lugar. Deveriam construir uma igreja ou um memorial, para lembrar delas para sempre”.