“A resolução não permite o pagamento de gratificações pelo simples fato de se participar do programa, mas elas não estão excluídas. Como, nesse caso, se está falando de uma transferência temporária do magistrado por interesse do próprio Poder Judiciário em fomentar a troca de conhecimentos entre diferente órgãos, é possível que estas gratificações venham a ser pagas aos magistrados enquanto participarem do programa”, afirma Wallace Corbo, doutor em direito público e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Segundo o texto, os magistrados seguem vinculados ao tribunal de origem, que permanecerá responsável pelos gastos com seus profissionais, assim como terá que arcar com eventuais custos “adicionais ou vantagens pecuniárias a que o magistrado faça jus”. O CNJ defende o programa como forma de estimular na magistratura o conhecimento sobre a realidade jurídica em todo País e integrar os tribunais brasileiros, como foco no compartilhamento de projetos com soluções “eficazes e inovadoras”.

Para o professor de direito constitucional Rubens Baçek, da de São Paulo (USP), a redação do texto que instituiu o programa abre margem para que os magistrados reivindiquem benefícios durante a temporada em outras comarcas. “[O CNJ]Está mais que autorizando o pagamento das diárias (gratificações). Do modo como está colocado na resolução, o efeito é garantir ao CNJ o direito de negar as diárias quando ocorrerem questionamentos específicos a respeito da existência de imóvel em nome do magistrado no local de destino, mas autorizar os benefícios como regra geral”, afirma.

Em nota enviada ao Estadão, a secretária-geral da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Juliana Marques, afirma que a resolução colabora para a integração do Poder Judiciário. Segundo a AMB, o intercâmbio de magistrados pode colaborar para suprir “deficiências e desigualdades na distribuição de recursos humanos” na magistratura. A entidade de classe defende que o ato não prevê pagamentos de benefícios extraordinários aos juízes.

“O ato normativo não autoriza o recebimento de qualquer vantagem excepcional pelos magistrados, nem imporá custos extras aos cofres públicos; pelo contrário, a disseminação de boas práticas trará mais equilíbrio à prestação jurisdicional como um todo”, diz a nota.

Mestre em direito pela USP e professor da Universidade Católica de Brasília, Caio Morau, diz que a resolução deixa brechas para os pagamentos. “Existe um espaço para que o magistrado tente servir em outro tribunal e peça auxílio-moradia, ou qualquer outro tipo de ajuda de custo”, afirma.

Questionado pela reportagem, o CNJ destacou o artigo que menciona a não autorização de pagamentos de auxílios e afirmou que o programa não obriga os tribunais a pagar diárias para juízes oriundos de outros estados. O Conselho ainda menciona que a resolução “não prevê a criação de rubricas e nem pagamento de valores aos magistrados que aderirem ao programa”.

À reportagem, o CNJ afirmou que a decisão de enviar ou não magistrados para outros Estados cabe à administração de cada tribunal, já que não há regras na resolução para impedir desfalques. “É papel dos tribunais, no exercício das suas autonomias asseguradas constitucionalmente, decidirem considerando a realidade de cada comarca e de seus quadros de magistrados”, afirmou.

Déficit na magistratura

A resolução editada pelo CNJ impõe poucas condições para que os magistrados façam parte do programa, como a ausência de punições nos últimos 12 meses e a autorização dos tribunais anfitrião e de origem para sua participação no programa. Para Morau, o ato normativo falhou ao não definir critérios para impedir falta de juízes em comarcas menores.

“A resolução foi omissa nesse ponto (déficit de magistrado). O texto diz que para que o magistrado saia do seu tribunal de origem e vá para o anfitrião precisa haver a concordância de ambos os tribunais, só que não faz nenhuma ressalva para que seja respeitada a proporcionalidade”, avalia. “Nos termos como foi definido, vai do bom senso dos presidentes dos tribunais O ato deveria ter tido essa preocupação para que não haja discrepância entre a quantidade de magistrados em cada comarca”

O professor da FGV Wallace Corbo avalia que o programa pode agravar o cenário de falta de juízes no País ao estimular, sem contrapartidas, as movimentações entre tribunais. “A resolução não esclarece como esse equilíbrio em número de magistrados será feito. Os diferentes tribunais padecem, no Brasil, de um déficit de magistrados que poderia ser intensificado pelas transferências decorrentes do programa”, afirma.