A pesquisa, que vai compor a tese de doutorado de Caroline, mostra que a concentração desses hidrocarbonetos, uma classe de mais de cem substâncias químicas conhecidas pela sigla HPA, se torna muito elevada quando a cidade está imersa em uma nuvem de neblina e fumaça por causa das queimadas. A pesquisadora fez as coletas em dois pontos da cidade — o campus da universidade e a região central — usando aspiradores com filtros. Em seguida, os filtros passaram por lavagem e o líquido foi processado para a análise das substâncias contidas no material particulado do ar.

O passo final foi a exposição das células aos hidrocarbonetos. Caroline utilizou células do fígado porque se trata do órgão em que os HPAs são metabolizados no organismo. “Se tem dano no DNA, há potencial de câncer, mas ainda estamos estudando se esse dano é reparado depois”, disse. Trata-se de um estudo inédito e, após a apresentação da tese, a pesquisadora pretende reunir os dados para publicação, inclusive em revistas internacionais.

Mais risco

Maria Lúcia, especialista em química ambiental, lembra que os incêndios rurais queimam grande quantidade de biomassa, lançando no ar fuligem e partículas que fazem mal à saúde. “Estamos respirando um material particulado que vai para a nossa corrente sanguínea e não sabemos as consequências”, disse.

Segundo ela, a relação das queimadas com as doenças respiratórias e cardiovasculares já era conhecida. “Antes se acreditava que o aumento nas internações no inverno era decorrente do frio. Hoje, até porque quase não temos mais o frio, sabemos que se deve principalmente à qualidade do ar. Muita queimada, muito material particulado é igual a mais internação. A fuligem impregna o pulmão, dificulta a respiração e o coração é mais exigido”, detalha.

A fumaça das queimadas apresenta monóxido de carbono, que provoca sufocamento em quem o inala, e gases ácidos, como os óxidos de nitrogênio e enxofre, que provocam irritação das vias respiratórias. Segundo ela, o estudo está mostrando que as pessoas terão de se preocupar também com as partículas finas, quase indetectáveis, que a fumaça dos incêndios transporta para as casas das pessoas. “Estamos fazendo um alerta, mostrando que os danos podem ser piores do que sabemos, por isso é preciso conscientizar a população e combater as queimadas”, disse.

Sem chuvas e com calor acima da média nas últimas semanas, o interior tem registrado também umidade relativa do ar muito abaixo dos 60% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No dia 6 de setembro, Ribeirão Preto registrou o menor nível de qualidade do ar em 70 anos, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Conforme Maria Lúcia, essa foi também a pior qualidade do ar verificada em todo o Estado.

Fica difícil respirar, diz entregador de Ribeirão Preto

O entregador Carlos Crispim de Arruda, que mora no Jardim Procópio, na zona norte da cidade, disse que sente na pele os efeitos da baixa umidade e da constante fumaça no ar. “Trabalho de capacete o dia todo e fica difícil respirar. A fumaça entra pelo visor e causa ardência nos olhos.” Ele conta que, durante a noite, a casa fica impregnada pelo cheiro de fumaça. “Semana passada, houve queimada perto do bairro e a tarde parecia noite. Tenho duas crianças pequenas e elas sofrem. O menor, de dois anos, precisou de inalação”, disse.

O número de queimadas no Estado, este ano, já é o maior em dez anos. De janeiro até esta terça-feira, 14, foram 4.769 focos, 12% a mais do que no mesmo período de 2020, até então o ano com mais incêndios (4.264). Nas duas primeiras semanas deste mês, os satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência, registraram 1.156 queimadas no Estado, 171% a mais que no mesmo período do mês passado, quando foram 427 focos. Em julho, já com o período seco avançado, haviam sido 288 focos.