O ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin defendeu, em debate na nesta quinta-feira (22), que a legislação seja aperfeiçoada para fixar critérios para uso e fiscalização dos fundos eleitoral e partidário. Conforme ele, hoje os caciques de muitas legendas concentram os recursos.

Para o ministro, o fato de alguns partidos terem “dono” no Brasil já seria “perverso”, “a antítese da democracia”. Segundo ele, “mais perigoso para a democracia do que ter partido com dono, é ter partido com dono com o bolso cheio, que exerce autoritarismo, ditadura interna”.

Alguns partidos que recebem mais de R$ 100 milhões do fundo partidário, apontou, retêm até 100% dos recursos na liderança nacional.

As declarações foram dadas no  simpósio “Fraudes nos Fundos Eleitoral e Partidário”, promovido pela Frente Parlamentar Mista Ética Contra a .

Defesa do fundo eleitoral

Apesar das fraudes e de defender critérios para a distribuição de recursos internamente, o ministro reiterou a defesa do fundo eleitoral, como fazia antes de sua criação.

“Eu defendi R$ 5 bilhões para o fundo eleitoral, porque acho que é um preço pequeno para se pagar para ter eleições minimamente limpas”, disse. Ele considera o sistema anterior, de financiamento privado de campanha, bem pior, com mais corrupção. “Se desmoralizarmos o fundo eleitoral é uma tragédia”, avaliou.

Ele defendeu também o redesenho da dos estados, que muitas vezes não seria imparcial. “Alguns membros dos Tribunais Regionais Eleitorais vêm com o adesivo de partidos políticos, o que macula o processo eleitoral e a Justiça Eleitoral”, apontou.

O que cada fundo paga

Criado em 1995, o fundo partidário banca despesas cotidianas dos partidos, com montante definido todo ano por meio da lei orçamentária.

O valor gira em torno de R$ 900 milhões por ano, divididos entre os partidos legalmente registrados. Quem tem mais deputados eleitos, recebe mais.

Já o fundo eleitoral foi criado em 2017 para bancar as despesas de campanhas eleitorais. Ele só está disponível em ano de eleição. Em 2018, o valor para o fundo foi de R$ 1,7 bilhão; em 2020, foi de R$ 2 bilhões.

Principais problemas

Além da concentração de recursos do fundo partidário nos órgãos de direção nacional, o procurador Regional da República Elton Ghersel citou outras impropriedades comuns no uso desses recursos, como a não aplicação dos percentuais mínimos na promoção de candidaturas femininas; e as candidaturas femininas fictícias para simular a aplicação dos percentuais mínimos. E ainda as doações de candidatos a candidatos e as doações a candidatos de partidos não coligados.

Outros problemas comuns são:

– o pagamento de despesas do partido pela fundação ou instituto de pesquisa e ensino ligado ao partido;

– a contratação de empresas ou pessoas ligadas à direção partidária;

– o desvio de recursos por meio da contratação de escritórios de advocacia e contabilidade sem pesquisa de preços; e

– despesas vedadas ou estranhas às atividades partidárias.

O procurador citou, por exemplo, a aquisição de aeronaves com recursos partidários. “É difícil uma prestação de contas que não tenha problemas desse tipo”, afirmou.

Mandato para dirigentes

Diretor-executivo do Movimento Transparência Partidária, Marcelo Issa defendeu a aprovação do Projeto de Lei 4896/19, que traz previsão de mandato para os dirigentes dos partidos, além de regras de transparência partidária no uso dos fundos.

Ele destacou o aumento dos recursos destinados para o fundo partidário  a partir de 2015, sem nenhuma alteração nas estruturas de fiscalização e de auditoria. Segundo ele, a Justiça Eleitoral é precária, enxuta e com “baixa institucionalidade” em muitos locais. Por isso, muitas vezes a fiscalização da aplicação dos recursos é feita por amostragem.

Ele destacou que as contas de campanha têm, por sua vez,  nível de transparência razoável a partir de 2016, com a regra de atualização dos gastos de campanha a cada 72 horas. No entanto, conforme Issa, as regras não são cumpridas propriamente pela maior parte dos candidatos.

Marcelo Issa defendeu o uso de mais tecnologia na análise das contas partidárias e eleitorais. Ele chamou a atenção para a decisão unânime do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nesta semana, de divulgar em seu site, em tempo real, os extratos mensais das contas bancárias mantidas pelos partidos políticos e repassadas à Justiça Eleitoral pelas instituições financeiras.

O requerimento havia sido feito pelos movimentos Transparência Partidária e Transparência Brasil. A promotora de Justiça do Ministério Público Estadual de São Paulo Vera Lúcia Taberti também elogiou a decisão do TSE.

Candidaturas femininas

Vera Taberti ressaltou ainda a necessidade de fiscalização das candidaturas femininas. “Muitas mulheres são arregimentadas pelos partidos políticos para se candidatar, mas após o deferimento do registro, o partido abandona as candidatas, que não recebem suporte ou recursos financeiros. Por conta disso, muitas mulheres nas eleições de 2018 ficaram endividadas”, explicou.

A promotora considera isso um tipo de fraude por parte dos partidos. “A falta de investimento nas candidaturas revela que as candidatas só foram utilizadas para cumprir o percentual de gênero”, salientou.

Conforme a promotora, os partidos concentram os recursos destinados para candidaturas femininas em poucas candidatas. Ela defendeu a regulamentação por parte do Tribunal Superior Eleitoral da distribuição desses recursos.

Visão dos deputados

Diversos deputados concordaram que alterações na legislação eleitoral são necessárias, como a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que também destacou a necessidade de educação da população sobre esses temas.

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) ressaltou que os dirigentes de partidos escolhem para quem mandar recursos, e também defendeu fixar critérios para essa distribuição. Já a deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF) não concorda com a utilização do fundo eleitoral em momento de pandemia

A deputada Bia Kicis (PSL-DF), por sua vez, acredita que um dos pontos a serem alterados seria permitir candidaturas avulsas, sem vinculação a partido político. Além disso, ela criticou o fato de Justiça Eleitoral brasileira concentrar a gestão de recursos e fiscalização.

O ministro Herman Benjamin concordou com a candidatura avulsa, desde que haja critérios para não se desmontar os partidos, que considera fundamental para a democracia.