Há 10 anos, Vale avaliou mudanças em barragens que poderiam ter evitado desastre
A mineradora brasileira Vale demonstrou preocupações sobre suas barragens de rejeitos em 2009, mas não implementou várias medidas avaliadas que poderiam ter evitado ou diminuído os danos do desastre fatal da semana passada, de acordo com uma apresentação corporativa vista pela Reuters. Uma barragem usada pela companhia para armazenar os restos lamacentos do processo de […]
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A mineradora brasileira Vale demonstrou preocupações sobre suas barragens de rejeitos em 2009, mas não implementou várias medidas avaliadas que poderiam ter evitado ou diminuído os danos do desastre fatal da semana passada, de acordo com uma apresentação corporativa vista pela Reuters.
Uma barragem usada pela companhia para armazenar os restos lamacentos do processo de beneficiamento da mina de ferro Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), entrou em colapso na sexta-feira, matando pelo menos 65 pessoas e deixando centenas de desaparecidos, em um dos maiores acidentes industriais do Brasil.
A estrutura continha cerca de 12 milhões de metros cúbicos e gerou uma avalanche de lama que atingiu refeitório e área administrativa da Vale, assim como comunidades e rios da região.
O desastre de Brumadinho ocorreu pouco mais de três anos depois de uma tragédia similar em outra mina envolvendo a Vale, sócia da BHP Billiton na Samarco, causando uma perda de mais de 70 bilhões de reais em valor de mercado da empresa apenas na segunda-feira.
Mas uma década atrás, a maior produtora global de minério de ferro estava considerando maneiras de usar menos barragens de rejeitos, incluindo usos alternativos para essa lama, de acordo com uma apresentação de 73 páginas.
O documento apontou para o aumento do volume de rejeitos produzidos nas minas da empresa.
O relatório sugeriu que a Vale fizesse materiais de construção a partir de rejeitos, incluindo tijolos, um passo que daria à empresa uma outra fonte de receita e diminuiria o volume que precisa ser armazenado usando barragens.
O relatório de 2009 da Vale recomendou que a companhia realizasse um projeto chamado “Barragens Zero”, que envolveria a filtragem de rejeitos, recuperação adicional de minério de ferro nos rejeitos, entre outras medidas.
Não se sabe se o relatório atingiu os níveis mais altos da administração da Vale nem por que não foi implementado.
Carolina de Moura, uma participante do Movimento dos Atingidos pela Vale, moradora de Brumadinho e acionista da Vale, disse à Reuters que cobrou, em abril do ano passado, em uma assembleia de acionistas da empresa, da diretoria da Vale, onde estava o projeto, ressaltando que Feijão estava inserido dele.
“Só que ela não tratou (dos rejeitos), porque o preço minério de ferro caiu, a empresa implementou uma política de redução de custos, deve ter socado as barragens de rejeitos mais ainda e aí o que deu?, Córrego do Feijão estourou”, disse Moura.
O autor do relatório, Paulo França, deixou a Vale um ano depois de apresentá-lo e agora trabalha como consultor do setor. Procurado pela Reuters, ele não comentou.
A Vale também informou que não iria comentar.
“ESTRUTURAS INERENTEMENTE PERIGOSAS”
As instalações da Vale em Brumadinho foram construídas em 1976 usando o tipo mais barato e menos estável de projeto de barragens de rejeitos, uma estrutura com design comumente utilizado na mineração conhecido como a montante.
O design a montante custa cerca de metade do preço de outras barragens, mas apresenta maior risco de segurança, porque suas paredes são construídas sobre uma base de resíduos, em vez de em material externo ou em terra firme.
O vizinho Chile, mais propenso a terremotos, proíbe o design. O Brasil não é tão propenso a terremotos, mas até mesmo pequenas atividades sísmicas mostraram afetar as barragens de rejeitos a montante.
Como esses tipos de estruturas são alagados, eles ficam facilmente suscetíveis a rachaduras e outros danos que podem causar rompimentos, como o que ocorreu na semana passada em Brumadinho.
“Uma barragem de rejeitos pode parecer segura, mas ainda mantém muita umidade por trás dela”, disse Dermot Ross-Brown, engenheiro da indústria de mineração que leciona na Escola de Minas do Colorado, nos EUA. “São estruturas inerentemente perigosas.”
A causa do desastre permanecem desconhecida. Essa mina da Vale não recebe rejeitos há cerca de dois anos e meio e estava em processo de descomissionamento, um passo que deveria ter diminuído o risco, disseram engenheiros.
“É realmente intrigante para mim que isso tenha acontecido quando a barragem estava fechando”, disse Cameron Scott, da SRK Consulting, uma empresa de engenharia de mineração. “Este desastre tornará o meu futuro mais difícil.”
A barragem passou por uma inspeção em setembro de 2018 da empresa alemã Tüv Süd, e o diretor-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, disse que monitores mostraram que a barragem estava estável em 10 de janeiro.
Três funcionários da Vale e dois engenheiros da Tüv Süd foram presos nesta terça-feira, em operação para apurar homicídio, falsidade ideológica e crimes ambientais na tragédia.
RISCOS
Abalados e na espera de informações sobre centenas de colegas desaparecidos no desastre, funcionários da Vale estão se mobilizando para exigir mudanças no modelo de produção da empresa, incluindo a utilização de tecnologias já existentes para eliminar rejeitos da mineração.
Analistas e engenheiros acreditam que o desastre de Brumadinho deverá forçar a indústria a parar de armazenar rejeitos úmidos e, em vez disso, seguirá em direção ao processo mais caro, porém mais seguro, de armazenar rejeitos secos.
Esse processo exige a secagem dos rejeitos e o armazenamento no local, reduzindo o risco de colapso da barragem. A abordagem está se tornando mais popular no Canadá e em outros países com regulamentações de mineração mais rigorosas.
“A indústria ainda não compreende totalmente o risco que está assumindo com esse tipo de barragens de rejeitos úmidos”, disse Matt Fuller, da Tierra Group International, uma empresa de consultoria de engenharia de rejeitos. Representantes governo brasileiro já afirmaram que tomarão medidas para tornar a atividade de mineração mais segura, olhando inclusive a criação de uma legislação que exija mineração a seco e force mineradoras a eliminar barragens de rejeitos quando elas estiverem localizadas acima das comunidades.
O Brasil ainda está se recuperando da tragédia de novembro de 2015, quando uma barragem maior, pertencente à Samarco despejou uma montanha de rejeitos, deixando 19 mortos e centenas de desabrigados, poluindo o rio Doce, no que foi considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil.
No caso de Brumadinho, a barragem estava construída em cima de estruturas da própria empresa e inundou prédio administrativo e refeitório da companhia, com centenas de trabalhadores no horário de almoço.
O sindicato que representa trabalhadores de mineração de Brumadinho afirmou nesta terça-feira que pediu à Vale “há pelo menos dois anos” mudança de local das instalações administrativas e do refeitório atingidos pela avalanche de lama do rompimento da barragem.
“Em reunião, representantes da Vale disseram que existia um projeto pronto para a transferência, o que não ocorreu a tempo de evitar essa tragédia”, acrescentou a nota, assinada pelo Sindicato Metabase de Brumadinho e Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas de Minas Gerais.
A Vale não comentou o assunto imediatamente.
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