O Ministério das Relações Exteriores pediu a diplomatas brasileiros que comuniquem à Organização das Nações Unidas (ONU) que o Brasil saiu do Pacto Global para a Migração, ao qual o país tinha aderido em dezembro, no fim do governo . A mensagem foi através de telegrama emitido nesta terça-feira (8).

Segundo reportagem da BBC News Brasil, o órgão de imprensa teve acesso ao documento em que o Ministério solicita às missões do Brasil na ONU e em Genebra a “informar, por nota, respectivamente ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao Diretor-Geral da Organização Internacional de Migração, ademais de quaisquer outros interlocutores considerados relevantes, que o Brasil se dissocia do Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular”.

O documento diz, ainda, que o Brasil não deverá “participar de qualquer atividade relacionada ao pacto ou à sua implementação”.

A publicação ainda afirmou que, procurado, o Itamaraty não confirmou a informação. Porém, diplomatas afirmaram à BBC News Brasil em condição de anonimato que o telegrama está circulando no sistema do Ministério e chegou aos destinatários.

Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, já haviam anunciado no Twitter que o país deixaria o pacto. Araújo o classificou como um “instrumento inadequado para lidar com o problema (migratório)”, defendendo que “imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país”.

Direitos humanos para migrantes

Negociado desde 2017, o pacto estabeleceu diretrizes para o acolhimento de . Entre os pontos definidos estão a noção de que países devem dar uma resposta coordenada aos fluxos migratórios, de que a garantia de direitos humanos não deve estar atrelada a nacionalidades e de que restrições à imigração devem ser adotadas como um último recurso.

O documento foi chancelado por cerca de dois terços dos 193 países membros da ONU. Algumas nações poderosas – caso dos EUA, Itália, Austrália e Israel, entre outros – ficaram de fora por avaliar que o pacto violava a soberania dos Estados.

O ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que representou o Brasil nas negociações, já havia criticado a ideia de abandonar o pacto. “A questão (migratória) é sim uma questão

global. Todas as regiões do mundo são afetadas pelos fluxos migratórios, ora como pólo emissor, ora como lugar de trânsito, ora como destino. Daí a necessidade de respostas de âmbito global”, ele escreveu no Twitter.

Aloysio afirmou ainda que o pacto não “autoriza migração indiscriminada” e “busca apenas servir de referência para o ordenamento dos fluxos migratórios, sem a menor interferência com a definição soberana por cada país de sua política migratória”.

Movimentos conservadores simpáticos à candidatura de Bolsonaro eram críticos ao acordo.
Em Bruxelas (Bélgica), um protesto contra o pacto convocado por grupos de extrema-direita reuniu cerca de 5 mil pessoas e terminou com confrontos entre manifestantes e forças de segurança, em dezembro.

Migrantes brasileiros no exterior

Para Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas, o abandono do acordo pelo Brasil é “extremamente lamentável”.

“Mostra que o governo não está olhando para a totalidade das pessoas que precisam de proteção”, ela afirmou, assinalando que há mais brasileiros vivendo no exterior do que estrangeiros no Brasil.

Segundo Asano, ao deixar o acordo, o governo brasileiro não considera os “muitos brasileiros que vivem em outros países e sofrem pela negação de direitos básicos”.

Ela diz que o pacto exprime um “consenso muito mínimo, mas ainda assim muito valioso, sobre quais seriam boas práticas para o acolhimento dos fluxos”.

“O Brasil vai minando uma das suas principais credenciais internacionais: ser um país formado por migrantes e com uma política migratória vista como referência, o que vinha dando voz potente ao Brasil nas discussões internacionais sobre o tema”, lamentou.

(*) Informações com a BBC News Brasil e G1.