Anvisa põe em consulta cultivo de maconha medicinal

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai levar à consulta pública a proposta para liberação do cultivo e da produção de maconha no país para fins medicinais e científicos. A nova regra prevê o plantio restrito a lugares fechados por empresas credenciadas. Associações e familiares de pacientes que, hoje, têm autorizações na Justiça para […]

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Foto: John Locher
Foto: John Locher
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai levar à consulta pública a proposta para liberação do cultivo e da produção de maconha no país para fins medicinais e científicos. A nova regra prevê o plantio restrito a lugares fechados por empresas credenciadas. Associações e familiares de pacientes que, hoje, têm autorizações na Justiça para a produção do extrato de canabidiol, ficariam proibidos de manipular a planta. A Anvisa espera aprovar a regulamentação ainda este ano, mas há resistência dentro do governo federal.

Atualmente, a agência já permite o registro de medicamentos feitos com substâncias como canabidiol e tetrahidrocannabinol (THC), mas só um produto importado conseguiu a regulamentação. A maioria dos pacientes que recebe prescrição médica de tratamentos com derivados da cannabis pede à Anvisa autorização para importar o produto. Até o fim de 2018, cerca de 6 mil pacientes conseguiram a liberação. O problema, porém, é custo. Um tratamento por três meses chega a R$ 2 mil.

Dois pontos na proposta já são criticados. O primeiro é a restrição da produção para fins medicinais em ambientes fechados, o que pode elevar o custo. O outro é a restrição de produção a empresas.

Segundo o professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Elisaldo Carlini, um dos maiores especialistas em entorpecentes do Brasil, a proposta inviabiliza a pesquisa. “Em ciência, é necessário controlar todo o processo, do plantio a produção do fármaco.”

Para o médico e presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal, Leandro Ramires, a restrição às empresas manteria o mercado informal de usuários de medicamentos à base de cannabis no País. Embora sejam cerca de 6 mil pessoas autorizadas a importar o medicamento, há estimativas de que mais de 60 mil fazem uso ilegal. “O processo regulatório vai deixar o preço de produção muito caro”, diz.

“É importante que a regulamentação leve em consideração os pequenos empreendedores e, principalmente, associações que são, no fundo, os agentes que levaram a essa proposta de regulamentação”, afirma Rodrigo Mesquita, representando a Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas. Já Carolina Nocetti, médica e consultora técnica em terapia canabinoide, lembra que a abertura para a discussão foi o primeiro passo em alguns Estados americanos.

A principal resistência à proposta deve vir de dentro do próprio governo. Em maio, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirmou que seria “irresponsável” por parte da Anvisa liberar o uso de maconha medicinal. Os grupos de trabalhos para a discussão foram formados em 2017, ainda sob a gestão do ex-presidente Michel Temer.

A reportagem apurou que há em curso no governo um movimento para retardar a aprovação da proposta. Capitaneada por Terra, a ideia é que o presidente Jair Bolsonaro indique um nome ligado à pasta para a vaga em aberto na diretoria da Anvisa. O indicado poderia barrar o andamento da proposta quando terminar a fase das audiências públicas, que vai durar 60 dias.

Exemplo

A consultora Elisabete Ferreira, de 39 anos, não aguentava mais apanhar da filha e ver a criança se agredindo. A menina, de 11 anos, foi diagnosticada com autismo quando tinha 4 anos e meio e apresentava episódios de agressividade.

“A gente não conseguia mais sair de casa. Eu vivia com marcas e já tinha até um espaço no guarda-roupa para o meu filho mais novo se esconder.” No ano passado, ocorreu a indicação médica de um derivado de maconha. “Agora, ela é uma criança calma. Hoje, vejo um futuro para a minha filha. Consigo imaginar que ela vai frequentar a escola.”

Modelo canadense

A proposta brasileira segue o modelo canadense e a produção não poderá ser ao ar livre. As diretrizes da Anvisa só autorizam o cultivo em ambientes fechados que tiverem sistema de segurança 24 horas e a edificação reforçada com sistema de dupla porta e paredes e dutos resistentes à invasão. As edificações não poderão ter nenhuma identificação.

A medida poderá inviabilizar financeiramente o pequeno produtor e empresas de startups, já que o custo para produção em plantio de áreas externas, em média, é de US$ 0,05 a grama; em áreas fechadas, o valor supera US$ 1, segundo empresas consultadas pela reportagem.

A normatização proposta pela Anvisa não prevê a necessidade de as empresas interessadas na produção de maconha pedirem autorização específica à Polícia Federal, mas, de acordo com a equipe técnica da agência, durante o processo de licenciamento, a Anvisa vai pedir um parecer da PF para que o órgão autorize o início da licença de produção.

Todos os registros terão a validade de dois anos, renováveis. Os responsáveis técnicos e administrativos também deverão apresentar atestado de antecedentes.

A venda e a entrega das plantas produzidas só poderá ser feita às instituições de pesquisa, fabricantes de insumos farmacêuticos e de medicamentos. As regras de comercialização impedem, por exemplo, que pessoas físicas tenham acesso à planta de maconha de maneira legal. A medida proíbe ainda que a planta seca seja vendida e entregue para farmácias de manipulação.

Até o momento, dez empresas privadas já mostraram interesse em produzir maconha no País, conforme a Anvisa. “Não há espaço para nenhum procedimento para que possa haver uso não medicinal desta substância”, afirma o diretor-presidente da agência, William Dib As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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