Estudantes recorrem a robótica para resolver os problemas da roça
Todos os dias, Victor Matheus de Jesus tinha que madrugar. Antes de ir para a escola, era o responsável por passar de cocho em cocho alimentando os cavalos do sítio em que morava com os pais. A rotina durou até o dia em que descobriu que poderia criar um cocho automatizado. “Tive a ideia quando […]
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Todos os dias, Victor Matheus de Jesus tinha que madrugar. Antes de ir para a escola, era o responsável por passar de cocho em cocho alimentando os cavalos do sítio em que morava com os pais. A rotina durou até o dia em que descobriu que poderia criar um cocho automatizado.
“Tive a ideia quando comecei a ter aulas de robótica. Vi que aquele aprendizado podia fazer sentido no meu dia a dia”, diz o egresso da Escola Municipal de Ensino Fundamental Zeferino Lopes de Castro, em Viamão, a 25 quilômetros de Porto Alegre (RS).
A unidade é uma das 15 mil instituições do campo que participam do programa Escolas Conectadas. Foi selecionada como laboratório para projetos de experimentação tecnológica com o objetivo de responder às necessidades típicas das áreas rurais.
“Posso pegar um kit de robótica de uma marca conhecida para fazer um campeonato de futebol de robôs ou simular uma pista para levar uma bolinha do ponto A ao B, mas isso não é a rotina do Victor”, afirma Rubem Saldanha, gerente de projetos sociais da Fundação Telefônica Vivo, gestora do programa.
A iniciativa, que nasceu em 2012, conta com duas frentes de atuação: a oferta de cursos para professores do campo e a implementação de escolas-laboratórios para a experimentação de tecnologias digitais.
O cocho automático de Victor foi feito com correia de bicicleta, cordas de nylon, tábua de pinos e uma placa Arduino (sistema eletrônico que permite a criação de equipamentos automatizados). Com isso, em vez de abastecer os cochos duas vezes ao dia, a reposição é feita uma única vez, na noite anterior ao consumo.
Hoje, na mesma escola, um grupo de alunos desenvolve uma estufa para impedir que a geada prejudique as hortaliças, e outra equipe cria um protótipo para entender o uso de insumos na agricultura. Victor, por sua vez, acabou o ensino fundamental e, aos 19 anos, está em uma escola técnica. Quer ser zootecnista.
“Quando o docente se permite planejar suas aulas em outros espaços, como uma plantação, o aluno se beneficia porque não vai somente ouvir, mas vivenciar conceitos”, diz Max Ribeiro, coordenador pedagógico do projeto e professor da escola gaúcha.
“É uma mudança de foco. Nesse formato, o professor não só ensina algo estipulado, mas aprende junto a partir de uma demanda real”, continua.
Em boa parte do Nordeste, essa demanda real reflete a escassez de água. Em Vitória de Santo Antão, no interior de Pernambuco, o objetivo dos alunos da Escola Municipal Manoel Domingos de Melo é garantir que a horta da unidade seja irrigada, apesar de o abastecimento de água ainda ser feito por caminhões-pipa que passam em intervalos de até três semanas.
O primeiro passo foi dado. A partir de conceitos de robótica, 20 alunos do 1º ao 4º ano desenvolveram um vaso inteligente, com sensores de umidade de solo, luzes LED e a placa eletrônica Arduino. O equipamento libera água conforme a necessidade da planta, o que evita desperdício.
Agora, a meta é criar um aparelho que possa ser usado na própria horta. “Será algo maior, com um sistema que mande mensagens sobre a necessidade da rega via bluetooth para tablets e celulares”, diz Everton Tadeu Gonçalves, tutor de robótica do Cesar (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), que orientou os estudantes.
Garantir aos alunos das escolas rurais o acesso a uma tecnologia que atenda aos anseios da comunidade local ainda é um desafio. Parte das 60 mil escolas rurais ainda sofre sem infraestrutura mínima, como rede de esgoto e energia elétrica.
“Além das condições materiais, tais como alimentação, é preciso que haja propostas pedagógicas adequadas à realidade dos sujeitos do campo, porque a escola expulsa os seus estudantes quando não contribui com a construção de conhecimentos que os ajude a ter melhores condições de vida”, afirma Eliene Novaes Rocha, professora da Universidade de Brasília.
A especialista defende que o ponto de partida para as mudanças venha das demandas do público local, não de um olhar externo. “Temos de considerar o currículo, a formação dos professores e o diálogo com a comunidade.”
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