Em Harvard, Moro cita cena de O Poderoso Chefão para ilustrar corrupção no Brasil

Para juiz federal da Lava Jato, pessoas que pagam propina nem sempre têm interesse em benefícios a médio prazo

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Para juiz federal da Lava Jato, pessoas que pagam propina nem sempre têm interesse em benefícios a médio prazo

Sergio Moro apelou para o enredo de O Poderoso Chefão ao tentar explicar como funciona o crime do colarinho branco no Brasil em fala a estudantes, advogados, procuradores e juízes na Universidade de Harvard, nos EUA.​

A menção ao personagem de Marlon Brando aconteceu quando Moro relatava que, em casos de corrupção em grande escala entre políticos e grandes empresários, nem sempre é possível identificar um ato específico do agente público para caracterizar o crime, embora ele esteja acontecendo.

 “Na primeira cena de O Poderoso Chefão , don Corleone recebe um homem, Bonasera, que pede ajuda do poderoso chefão porque sua filha apanhou do namorado e de um amigo. Bonasera foi lá pedir ajuda do poderoso chefão para que ele mandasse homens para bater nos dois”, narrou Moro, em inglês.

“Depois de algum drama, o poderoso chefão concorda em ajudar, sem matar os homens, como Bonasera queria, mas mandando pessoas baterem neles. Bonasera pergunta no fim da cena o que don Corleone quer em troca, e o Poderoso Chefão dá uma resposta bem interessante. Ele disse: ‘Não quero nada agora, mas um dia, talvez um dia, eu vá te pedir algo e então precisarei que você retorne o favor”, narrou o juiz mais conhecido da Lava Jato.

A metáfora cinematográfica, continuou, servia para mostrar que, “nos esquemas de corrupção sistêmica, não necessariamente você vai encontrar uma troca especifica, ‘isso por aquilo’.”

Segundo a tese de Moro, episódios envolvendo agentes públicos podem revelar sistemas corruptos, mesmo que não haja trocas imediatas. Ele citou a Petrobras como exemplo.

“Em alguns casos, com réus confessos da Petrobras, quando se pergunta a eles porque pagaram ou receberam a propina, às vezes eles dizem que esta era a regra do jogo”, disse Moro. “‘O que você recebeu em troca?’”, repetiu o juiz. “E às vezes eles nos deram essa resposta estranha: ‘Paguei porque era essa a regra do jogo, para ter uma boa relação com os executivos da Petrobras”.

Ainda sobre o tema, Moro leu parte de uma decisão da Justiça dos EUA que considerou “bem interessante”.

“É suficiente se o oficial público entendeu que se esperava que ele ou ela exercesse alguma influência a favor de alguém quando oportunidades aparecessem”, dizia o texto.

‘Revolução’

No evento organizado pela Harvard Law Brazilian Studies Association, Moro falou depois de importantes autoridades brasileiras, como a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e seu par na Justiça Federal do Rio de Janeiro, juiz Marcelo Bretas, também da Operação Lava Jato.

Respondendo a perguntas do moderador, o juiz paranaense defendeu o cumprimento de pena para réus condenados após julgamentos em segunda instância como “uma espécie de revolução no Brasil”.

“É preciso se estabelecer essa regra de uma vez no Brasil, sem possibilidade que ela seja alterada, para podermos conversar sobre outros avanços necessários neste momento”, afirmou.

A fala era um recado para o Supremo Tribunal Federal, que deve julgar a legalidade da prisão enquanto não se esgotam as possibilidades de recursos – um julgamento que pode tirar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da prisão (ele ainda não foi julgado nem pelo Superior Tribunal de Justiça nem pelo STF).

Tanto Barroso quanto Dodge e Bretas, seus antecessores, fizeram a mesma defesa perante à plateia.

A fala de Moro foi seguida por uma mesa sobre compliance e ética apresentada por uma porta-voz da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), uma das patrocinadoras do evento, liderada pelo pré-candidato ao governo de São Paulo, Paulo Skaf.

‘Democracia não está em risco’

O juiz não quis falar sobre os sem-teto que, durante sua fala, ocupavam o tríplex associado por Moro ao ex-presidente Lula em decisão judicial.

Sem conversar com jornalistas durante o evento, ele abriu sua fala defendendo as instituições brasileiras.

“Vou ser claro: a democracia não está em risco no Brasil. Absolutamente não. O que está acontecendo é a luta pelo Estado de Direito”, afirmou, dizendo que o caminho é “justamente o oposto” e que, “ao final, nós teremos uma democracia e uma economia ainda mais fortes.”

Durante a fala, em linha com os antecessores, afirmou que as investigações da Lava Jato em Curitiba revelaram fatos “vergonhosos”, mas disse que a melhor forma de interpretá-los é positiva.

“Há outra forma de olhar para o Brasil agora, e acho que esta é maneira certa de olhar para o que está acontecendo. As autoridades e a sociedade brasileira estão fazendo seu melhor para impor a lei contra a corrupção espelhada pelo país”, afirmou.

“A luta contra impunidade nos dá esperança de que, no fim, teremos menos corrupção no Brasil.”

Durante a fala, Moro citou o presidente americano Theodore Roosevelt, ex-aluno da faculdade de Direito de Harvard, que “resume o que deveríamos pensar sobre o momento brasileiro”.

“A exposição e punição da corrupção pública honram uma nação, não a desgraçam”, afirmou. “A vergolha está na tolerância (à corrupção), não em sua correção”.

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