Para frear WhatsApp, operadoras clamaram por regulamentação conservadora

As operadoras bloquearam o acesso de seus usuários

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As operadoras bloquearam o acesso de seus usuários

O ano de 2015 ficará na história também nas telecomunicações. Como se não bastasse o presidente de uma das maiores operadoras do Brasil – Amos Genish, da Vivo – ter chamado o WhatsApp de pirataria e o então ministro das Comunicações Ricardo Berzoini defender a regulamentação do Netflix, dezembro foi marcado pelo bloqueio ao WhatsApp. A pedido da Justiça de São Paulo, e sem muito pestanejar – exceto pela Oi –, as operadoras bloquearam o acesso de seus usuários ao mais popular aplicativo de troca de mensagens por 12 horas. A determinação tinha como objetivo punir o app por não obedecer à Justiça brasileira.

Foram ações conservadoras, segundo os especialistas, mas que suscitaram um debate que deve fazer de 2016 um ano mais progressista.

Eduardo Levy, presidente do SindiTelebrasil, entidade que representa as operadoras, disse que ninguém é contra os serviços Over-The-Top, as chamadas OTTs, mas que no caso do WhatsApp não há como negar que o aplicativo presta os mesmos serviços que as empresas de telecomunicações e para os mesmos usuários.

“Não podemos generalizar e dizer que todos os OTTs concorrem com as operadoras, porém, no caso do WhatsApp, sabemos que tem cara de elefante, pata de elefante, rabo de elefante e ainda assim alguns insistem em dizer que não é um elefante? Não é por aí”, exemplifica.

Quando a polêmica toda com o WhatsApp se intensificou, em agosto, com a notícia da Reuters de que as operadoras preparavam uma petição contra o app junto à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), analistas disseram ao iG que tal pedido não tinha fundamento. Na época, Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, argumentou que qualquer programa que faça transmissão de voz via endereço IP (VoIP), ou seja, pela internet, já é enquadrado como Serviço de Valor Adicionado (SVA) na Lei Geral das Telecomunicações (LGT), de 1997. Logo, não pode ser classificado como um serviço tal qual são aqueles prestados pela telefonia. Porém, ao que parece, o que as operadoras queriam qual a tal petição era só chamar atenção. E conseguiram.

Para Pedro Ramos, advogado e pesquisador associado do Internet Lab, vale lembrar que “à época em que a LGT foi criada, não havia, pelo menos de forma tão intensa, a preocupação de que os serviços de valor adicionado viriam a representar uma concorrência ao modelo de negócio empreendido pelas provedores de serviços de telecomunicações”. Segundo ele, embora tenha se intensificado neste ano, esse movimento não foi exclusivo de 2015: “é gradual e atingiu seu ápice em um momento em que se discute muito a regulamentação do setor”, disse ao iG.

O Skype, serviço de voz por dados mais antigo que o WhatsApp, não é encarado como concorrência pelas operadoras de telecomunicações de acordo com Levy porque faz tudo dentro da rede e cobra dos usuários que fazem ligações tais quais as da telefonia. Além disso, o Skype se diferencia por criar um outro número para o usuário que deseja fazer chamadas, tendo como ponto de partida um nome de usuário e não o mesmo número de telefone que o usuário possui cadastrado junto a sua operadora.

No Brasil, o número de celular é outorgado pela Anatel e as operadoras pagam tributos para cada linha autorizada, como as taxas do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), o que não é feito pelo WhatsApp. De acordo com a consultoria Teleco, as empresas de telecomunicação pagariam cerca de R$ 26 para a ativação de cada linha móvel e R$ 13 anuais de taxa de funcionamento.

Debate em 2016

Mesmo diante de tantas manifestações contrárias das operadoras e de quem as representa, Ramos acredita que existe um posicionamento dúbio dessas empresas em relação ao próprio WhatsApp e que por isso é preciso debater a questão.

Por um lado, as operadoras precisam defender seu modelo de negócio, e por isso buscam caminhos como promoções comerciais, criação de seus próprios serviços de OTTs e pressionam por um alívio regulatório perante autoridades como a Anatel. Por outro lado, os usuário demandam cada vez mais esses serviços, o que leva as operadoras a desenvolverem parcerias com os grandes provedores, Facebook, Twitter e o próprio WhatsApp para oferecer acesso gratuito por meio de estratégias de Zero Rating – prática em que o tráfego de dados de aplicações selecionadas não consome a franquia de dados dos usuários.

Ou seja, se por um lado apps como WhatsApp ameaçam o modelo de negócio tradicional – ganhar com chamadas telefônicas, envio de mensagens SMS e dados –, por outro, estão, cada vez mais, virando parte do que é ofertado por essas mesmas operadoras. Para Levy, esse tipo de parceria é só um exemplo de acordo comercial, mas não invalida a discussão de que há hoje uma assimetria no mercado.

Na opinião de Levy, WhatsApp e Netflix são os casos mais problemáticos porque disputam diretamente com setores que são fortemente regulados e taxados no Brasil, o de telecomunicações e o de TV por assinatura, respectivamente. Por isso, o SindiTelebrasil espera que órgãos como a Anatel ajudem as empresas a lidar com essa questão em 2016. Porém, Levy reforçou que não espera que essas OTTs sejam totalmente regulamentadas, mas sim que o setor de telecomunicações tenha alguma flexibilidade nas suas obrigações e uma desoneração tributária, pois hoje o setor paga diversas taxas, enquanto WhatsApp e mesmo o Netflix, que tem representação no Brasil, nada pagam no que diz respeito à natureza dos serviços que prestam.

Ramos também vê como legítima a preocupação em regulamentar OTTs, mas antes disso diz ser preciso fazer uma reflexão sobre quais são os efeitos de uma regulamentação. “Qualquer regulamentação deveria ser fruto de estudos sérios sobre efeitos econômicos e sociais, e que enxergo que faltam no Brasil hoje. Além disso, ainda não tenho certeza se temos um problema de estrutura de mercado que justifique uma regulação prévia, ou se temos problemas de condutas isoladas que podem vir a ser mitigados por meio de sanções administrativas e judiciais. A meu ver, qualquer regulação prévia é sempre uma intervenção antecipatória”.

Segundo Flávia Lefèvre, conselheira do CGI.br e integrante do conselho consultivo da Proteste, em conversa com o iG em agosto, para entender esse movimento das empresas de telefonia é preciso também voltar aos dias anteriores à aprovação do Marco Civil da Internet. “Desde o início, as operadoras pretendiam que a neutralidade da rede como saiu no Marco Civil não fosse aprovada, porque elas queriam ter algo para oferecer aos usuários que demandam mais capacidade da rede, ou seja, que esses usuários ou empresas pudessem pagar mais para ter o tráfego do seu conteúdo privilegiado. Ocorre que eles perderam essa batalha”. Na opinião de Flávia, as entidades do setor até podem ser parceiras das teles para tentar diminuir a carga tributária, mas não pode ajudar a onerar aplicativos OTTs apenas para reduzir o poder de competição dessas iniciativas frente as operadoras.

Na opinião da consultora, na medida em que são impostas regras próprias ou um tributo específico para aplicativos como o WhatsApp, como sugeriu o ministro das Comunicações, a natureza livre da própria internet é destorcida. “Uma vez que um tributo é criado você não tira ele nunca mais. Observe quanto tempo estamos tentando desonerar o setor de telecomunicações. Qual governo de Estado vai abrir mão de uma arrecadação certa todo o mês? Se essa moda pega, vai encarecer toda a internet.”

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