A proposta, que recebeu 293 votos favoráveis – eram necessários 308 – ficou fora do texto da reforma política

A diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, fez duras críticas a rejeição da reserva de cadeiras para mulheres nos legislativos federal, estaduais e municipais. “É a mais completa tradução de que deputados operam em causa própria, é uma maioria masculina que não tem condições políticas e éticas para reestruturar o sistema politico brasileiro”.

 Formada em filosofia política, ela destaca que a proposta das cotas apresentada no plenário da Câmara durante a votação da reforma política, nesta semana, não produziria mudanças bruscas mas poderia aumentar gradualmente a representatividade de gênero.

“Estava em debate algo minimalista, mas da maior importância”, avaliou a filósofa ao citar exemplos como o da Bahia, que tem 39 deputados federais dos quais apenas três são mulheres. “Teríamos na Bahia pelo menos mais uma mulher. Temos hoje cinco estados que não têm qualquer representação parlamentar feminina [Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraíba e Sergipe]. Com esse mecanismo que eu não chamo de cota teríamos alguma representação que é democrática e legítima”, acrescentou Jacira.

A proposta, que recebeu 293 votos favoráveis – eram necessários 308 – ficou fora do texto da reforma política. Ela reservava 10% das cadeiras na primeira legislatura, passando para 12% na segunda, até chegar a 15%, em 2027. Além do resultado da votação, Jacira Melo lamentou a postura de parlamentares diante da emenda que, segundo ela, revelaram a cultura machista no Parlamento.

“Entre os defensores da regra, um deputado chegou a dizer que era a favor das cotas porque o plenário ficaria mais bonito. Outro disse ser a favor para dar um voto de confiança às mulheres”, criticou Jacira. Mais de 100 deputados votaram contra o mecanismo, entre eles, o deputado delegado Edson Moreira (PTN-MG) que afirmou que “não é justo é que uma minoria, pequena e de pouco trabalho, conquiste uma cadeira que não é fácil”.

Autora de tese sobre a representatividade feminina no Poder, Luciana Ramos, pesquisadora da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que existem três tipos de cotas políticas no mundo – reserva de assentos mínimos, cotas partidárias voluntárias e cotas legislativas – que impõem a todos os partidos um percentual mínimo de candidatas. “No Brasil temos as cotas legislativas, mas isso não é cumprido por uma série de razões, especialmente pelo fato de não ter sanção para o descumprimento dessa lei”, avaliou.

Luciana disse que não se surpreendeu com a rejeição da medida por um Congresso “conservador” como o atual. Alertou que a composição legislativa de hoje produz impactos diretos na formulação de leis e políticas. “As mulheres representam 51% da população brasileira, mas elas não fazem as leis que regem essa sociedade composta pela maioria de mulheres. É uma discrepância enorme ter menos de 10% de mulheres na Câmara, por exemplo”.

Para a pesquisadora, a diversidade de visões é fundamental em espaços de poder. “A inserção de mulheres faz toda diferença. Enquanto um homem decide onde vai passar uma linha de ônibus, ele pensa que tem que ir da casa ao trabalho. Na perspectiva da mulher, esse ônibus precisa passar na casa, na escola do filho, no mercado e no trabalho, por exemplo”.