Empresa terá de indenizar garçonete magra chamada de ‘vassourinha’

Mulher diz que era humilhada por gerente e colegas: ‘Me sentia derrotada’

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Mulher diz que era humilhada por gerente e colegas: ‘Me sentia derrotada’

O Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT-18) manteve uma sentença que condena o restaurante Outback Steakhouse, situado no Jardim Goiás, em Goiânia, a indenizar uma ex-funcionária em R$ 18 mil por danos morais. Os motivos foram assédios sofridos pela ex-garçonete em função do baixo peso. Segundo o processo, a mulher recebeu diversos apelidos, inclusive da gerência do estabelecimento, como “magrela”, “vassourinha do Harry Potter” e “desnutrida”. Cabe recurso e o restaurante informou ao G1 que vai recorrer.

A garçonete de 31 anos, que não quer se identificar, disse que os apelidos começaram a ser dados logo depois que ela foi contratada, no início de 2008. “Eles começaram com os gerentes e, logo em seguida, pelos demais funcionários que acreditavam que, rindo e dando continuidade, estariam ganhando a confiança e respeito da chefia. Aí eu só era chamada como ‘magrela’, ‘saco de osso’, além de ouvir piadinhas como ‘a fulana a gente não sabe quando está de frente ou de lado’”, lembra.

Segundo ela, as situações vexatórias eram realizadas durante toda a jornada de trabalho. “Os gerentes pegavam um rodo ou uma vassoura e mandavam um funcionário qualquer segurar dizendo meu nome e fazendo alusão de que aquela seria eu. Aí diziam ‘segura a fulana aí’ ou ‘não encosta na fulana que ela pode quebrar’, entre muitas outras expressões”, lembra.

O Outback ressaltou, em nota, que “a cultura e os valores da rede prezam sempre pelo respeito e profissionalismo, mantendo um alto nível de satisfação de seus colaboradores. A rede investe constantemente em gestão e capacitação de pessoas, oferecendo oportunidades de desenvolvimento de carreira”, diz o comunicado.

A mulher diz que, apesar dos inúmeros pedidos para que os colegas de trabalho parassem de chamá-la por apelidos, a situação só piorou. “Eu suportei o quanto pude, porque precisava trabalhar. Mas chegou um momento que eu não suportei mais e peguei atestado médico duas vezes por 15 dias cada um, pois precisava me afastar daquele ambiente, me sentia derrotada”.

Sendo assim, a jovem disse que, quando retornou às funções, foi obrigada a tirar férias. Ao voltar, em agosto de 2009, foi demitida. “Eu tenho problemas em relação ao peso e as pessoas do Outback me fizeram acreditar que eu não era normal e digna de respeito. Todos os dias me tratavam com apelidos e piadas maldosas sobre meu peso, em um ambiente que era cercado por comida, o que era irônico. E quando eu pedia intervalo para comer, era negado e ainda tinha que ouvir que eu ia continuar desnutrida”.

Ação judicial
Após ser demitida, ela decidiu processar o restaurante. “Eu não poderia compactuar com tamanha exploração, descaso, injustiça que acontecia naquele lugar. Além de me afetarem profundamente, afetavam também outras pessoas, não era somente eu quem sofria assédios, outros colegas também. E os direitos trabalhistas negados pela empresa afetavam a todos os funcionários. Eu relutei muito para entrar na Justiça, pois tinha medo de represálias. Somente quando me senti forte o suficiente para enfrentar tudo isso de frente, é que eu entrei”, lembra.

O advogado que defende a ex-funcionária, Oto Lima, explicou que a ação começou a tramitar em maio de 2013 e teve uma sentença favorável em 1º grau, quando o juiz Washington Timóteo Teixeira Neto, da 9ª Vara do Trabalho de Goiânia, determinou o pagamento de indenização.

“O assédio moral, infelizmente, vem sendo adotado como prática por vários empregadores em todo o país. No caso da ex-garçonete do Outback, o tratamento desdenhoso e a imposição de apelidos pejorativos extravasam em muito os limites do poder diretivo, ofendendo a honra, a dignidade, a personalidade e a intimidade. O principal agressor era o próprio gerente, que, inclusive, incentivava os demais empregados à mesma prática”, destacou o advogado.

Na sentença, o juiz explicou que prova testemunhal confirmou que a ex-funcionária foi vítima de ofensas e observou que “não há quem sinta indiferença a apelidos pejorativos proferidos em tom de deboche, sendo de absoluta responsabilidade da empresa zelar pelo meio ambiente de trabalho saudável, incluindo o bom relacionamento entre seus empregados”.

No entanto, o restaurante recorreu, alegando que não houve por parte do Outback qualquer tipo de ato ilícito a ser indenizado. Sustentou que “as narrativas obreiras nunca existiram dentro do ambiente de trabalho da empresa, tampouco a ex-funcionária foi tratada com desrespeito por qualquer de seus prepostos ou colegas de trabalho”.

O caso voltou a ser analisado nesta semana pela 3ª Turma do TRT-18, quando os magistrados seguiram o voto do relator, juiz Israel Brasil Adourian, que manteve a decisão proferida na 1ª instância. Em seu voto, ele destacou que a prova testemunhal corrobora com as alegações iniciais e “revela que a ex-garçonete, de fato, foi vítima de apelidos vexatórios, mesmo pedindo para que eles parassem”.

O advogado da ex-funcionária disse que a decisão ainda cabe recurso junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Porém, ele destaca que não podem ser questionadas as provas que constam nos autos sobre o assédio moral a que a mulher foi vítima.

“Vamos aguardar o desfecho do caso, mas ainda existe a possibilidade de se pleitear a majoração da indenização por danos morais, que visa não apenas compensar a vítima pelos abalos experimentados, mas também para servir como instrumento pedagógico e punitivo para que a prática não seja mais reiterada”, ressaltou Oto Lima.

Gorjetas
Além do assédio moral, a ação também pediu a reparação sobre o repasse de gorjetas a que a funcionária diz que era obrigada a fazer. Segundo a ex-garçonete, de cada gratificação recebida pelos clientes, tinha direito a ficar com 7%. Porém, o restaurante exigia que 3% fossem repassados aos funcionários da cozinha, copa, limpeza.

“No final do expediente, o gerente imprimia o relatório de vendas de cada garçom e tínhamos que repassar 3% do total das vendas para o pessoal da cozinha, que tinha uma comissão para receber a porcentagem de cada um e éramos obrigados a repassar. Supondo que vendi naquele dia R$ 1.500, esse valor constaria no meu relatório de vendas e eu era obrigada a entregar 3%, independente de ter ganhado gorjetas ou não”, conta a mulher.

Segundo ela, ao reclamar sobre a medida, já que nem sempre ganhava a gratificação e estava tirando os valores do próprio bolso, foi avisada de que “se não estava satisfeita, deveria sair, pois tinha um monte de gente querendo a vaga”.

Na decisão em 1ª instância, o juiz Washington Timóteo Teixeira Neto reconheceu “a presença de vício de vontade quanto à obrigatoriedade do repasse” de “tip share”, como a prática é chamada, e determinou que o Outback fizesse a reparação.

A 3ª Turma do TRT-18 também manteve essa decisão e estipulou que o restaurante indenize a ex-garçonete no valor médio mensal de R$ 200, por todo o período contratual. Segundo o advogado de defesa da mulher, essa quantia ainda passa por cálculos. “Isso ainda será devidamente analisado, mas a indenização total pode chegar a R$ 30 mil”, disse Oto Lima.

Sobre a denúncia de prática de “tip share”, o Outback não se posicionou.

A ex-funcionária diz que sente que “a justiça será feita” e que fica feliz em saber que casos como este não voltem a se repetir. Ela diz que, atualmente, faz trabalhos voluntários, onde encontrou “uma forma de se reerguer em um ambiente humano, com respeito e consideração ao próximo”, concluiu a mulher.

 

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