Antes de morrer, jovem espancado no CEM escreveu carta para mãe

Gleison da Silva cumpria internação por estupro coletivo em Castelo do Piauí

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Gleison da Silva cumpria internação por estupro coletivo em Castelo do Piauí

Gleison Vieira da Silva, de 17 anos, espancado até a morte dentro do CEM (Centro Educacional Masculino), em Teresina, escreveu uma carta para sua mãe dois dias antes de morrer. No texto, ele pede a Elizabeth Vieira que o perdoe pelo que fez, agradece seu amor, diz que não vai esquecê-la e encerra dizendo para ela ficar com Deus.

Gleison cumpria medida socioeducativa por participar do estupro coletivo de quatro meninas em Castelo do Piauí em maio deste ano. Ele e mais três adolescentes foram condenados pelo crime. Segundo a polícia, os outros garotos envolvidos no estupro confessaram terem matado Gleison no CEM.

O adolescente inicia a carta dizendo que sente muita falta da mãe, em seguida  pede perdão, mas não chega a mencionar o crime de Castelo do Piauí. O texto da carta contém erros de português e os trechos transcritos na reportagem foram corrigidos para facilitar a leitura.

 

Perdão

“Mãe eu sinto muito a sua falta, eu quero que você me perdoe pelo que fiz. Eu sei que Deus me perdoou, agora eu quero seu perdão. Desculpa, mãe, eu não ter sido um filho que você sempre quis, mas eu quero que você saiba que você nunca vai sair da minha mente e do meu coração”, escreveu.

Elizabeth recebeu a carta durante uma visita que fez ao filho quando ele ainda estava no CEIP (Centro de Internação Provisória), antes da transferência para o CEM. Segundo a mãe do rapaz, dois dias após receber a carta, o filho foi espancado e faleceu dentro do alojamento.

Em outro momento da carta, o adolescente pede para que a mãe não o esqueça e se desculpa por não ter recompensado o que ela fez por ele.

“Mãe, eu peço que você lembre que teu filho te ama muito. Eu sei que nunca recompensei o que você fez por mim e que continua fazendo. Obrigada por ter sido uma mãe tão boa. Eu agradeço a Deus por ter você comigo, eu nunca vou esquecer de você e nem da minha vovó e nem do meu padrasto”.

O rapaz se despede pedindo para a mãe para ficar com Deus e no envelope chega a pedir que ela guarde o bilhete durante os três anos em que cumpriria a medida socioeducativa.

 

Investigação

Um inquérito policial foi aberto para investigar a morte de Gleison da Silva. A titular da delegacia do Menor Infrator, Thaís Paz, já ouviu o depoimento dos adolescentes suspeitos de assassinar o jovem dentro do alojamento do CEM.

Conforme a delegada, os menores assumiram a autoria do crime e relataram que mataram o rapaz porque ele entregou a polícia o nome dos suspeitos de participar do estupro coletivo.

“Um dos adolescentes disse que foi apenas uma discussão que terminou na morte do Gleison, já os outros dois narram que a intenção era realmente matar o delator. Os adolescentes afirmam que assassinaram Gleison porque ele teria dito para a polícia que eles participaram do estupro coletivo sem terem envolvimento com o caso”, afirmou a delegada.

Além dos suspeitos, a delegada ouviu nesta terça-feira (21) três adolescentes que teriam presenciado o espancamento, mas com medo de represálias, eles não revelaram o que viram na noite do crime.

Após a morte de Gleison, os outros três menores culpados pelo estupro coletivo foram retirados do CEM e agora estão no Ceip (Centro de Internação Provisória).

 

Superlotação

Após determinar a transferência dos três adolescentes acusados de estupro para o Ceip, o juiz Antônio Lopes, da 2ª Vara da Infância e Juventude da capital, falou sobre a dificuldade de encontrar vagas nas unidades socioeducativas no Piauí.

“Não vou deixar de sentenciar nenhum adolescente por falta de vaga do estado. O judiciário julga e quem deve manter estes menores é o executivo. Se o estado é inoperante, o problema não é meu”, disse. Segundo ele, os menores ficarão em celas separadas no Centro até que o estado providencie um local definitivo para eles ficarem internados.

 

Afastamento de diretoria

A direção do CEM de Teresina foi afastada nesta segunda-feira (20), três dias após a morte de Gleison dentro da unidade. Foram afastados o coordenador do CEM, Marivaldo Viana, o gerente de Internação do CEM, Herbert Neves, e o diretor da Unidade Socioeducativa da Sasc (Secretaria de Assistência Social e Cidadania), Anderlly Lopes.

O atual coordenador do CEIP (Centro Educacional de Internação Provisória), Emerson de Oliveira, deixará o cargo para assumir a coordenação do CEM, de forma interina. Já a direção da Unidade Socioeducativa da Sasc será de responsabilidade do capitão Anselmo Portela.

 

Vistória da OAB

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), seccional Piauí, realizou uma vistoria nesta segunda-feira (20) no CEM. Segundo William Guimarães, presidente da OAB-PI, atualmente o Centro abriga 83 internos, 20 a mais do que sua capacidade.

Foram encontrados problemas como falta de colchões em todos os alojamentos, insuficiência de educadores e estrutura precária, com uma fossa estourada numa das celas.

Guimarães pretende elaborar um relatório sobre a vistoria, que será entregue ao governo do estado e à direção do CEM. “Vamos solicitar uma audiência com o governador e cobrar dele o investimento para a reforma deste centro como a construção de um novo”, disse.

Segundo ele, a União disponibilizou R$ 5,5 milhões para a nova unidade, que correm o risco de serem devolvidos por “porque o estado não tem tido eficiência da aplicação desses valores”.

O Governo do estado confirmou a devolução de R$ 3,5 milhões. Segundo a administração, havia um convênio entre o estado e a União para a construção de um Complexo Socioeducativo para Adolescentes do Sexo Masculino em Conflito com a Lei, em terreno localizado na BR 316. Entretanto, segundo a Sasc, a administração anterior perdeu os prazos do convênio e o dinheiro teve que ser devolvido.

 

Fotos do corpo

Antes de ser afastado, o então gerente de internação do CEM, Herberth Neves, abriu uma sindicância para identificar os responsáveis pelo vazamento das imagens do corpo de Gleison por companheiros de cela. A nova direção do centro disse que a sindicância está mantida.

 As imagens, que mostram o corpo ferido e o rosto de Gleison desfigurado, foram compartilhadas nas redes sociais.

Será apurado se houve negligência por parte dos policiais ou educadores de plantão com relação a divulgação das fotos do garoto.

Detalhes do crime

Segundo afirmou Herberth Neves logo após o crime, Gelison foi morto durante o banho.”Um dos menores relatou que deu uma ‘gravata’ na vítima, para imobilizar e impedir que ela gritasse. Depois os três menores iniciaram uma sessão de espancamento, atingindo principalmente a cabeça de Gleison”, disse.

Já o juiz Antônio Lopes, da 2ª Vara da Infância e Juventude em Teresina, afirmou que a agressão ocorreu enquanto Gleison dormia.

 

Chacina no CEM

Lopes disse que o CEM poderia ter sido palco de uma chacina, já que os adolescentes internados pelo crime de Castelo do Piauí vinham sendo ameaçados de morte pelos demais jovens da unidade.

“Eles [os internos] disseram que os agressores tiveram foi sorte, porque iriam matar os quatro. Poderia ter sido uma chacina. Há 14 anos vejo que o estado não tem cumprido o que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é manter separados menores com alto grau de agressividade, a exemplo de estupradores, e quando há riscos para a integridade física deles”, afirmou o juiz.

Mãe grava vídeo

Elizabeth Vieira gravou um vídeo depois que soube do assassinato do filho.

“Foi um choque muito grande porque eu não estava esperando [a morte de Gleison]. Recebi a notícia, é uma dor muito grande”, disse.

A mãe da vítima disse ainda que acredita que a briga entre os jovens tenha sido motivada por causa dela. No vídeo, ela diz que ele a defendia muito. “Ele tinha que pagar pelo crime que cometeu, mas não desta forma”, disse.

Por medo da reação dos moradores de Castelo do Piauí, a família de Gleison acabou realizando o enterro em Teresina.

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