A proposta de revisão do plano diretor de Campo Grande, apresentada pela administração de Alcides Bernal, vem provocando acalorados debates em função das inovações apresentadas. E não poderia ser diferente, uma vez que as cidades são palco de inúmeros conflitos de interesses envolvendo pessoas e atividades humanas no uso dos seus espaços.

O plano diretor atinge diretamente esses interesses, porque tem por finalidade orientar a atuação do poder público e da iniciativa privada na construção dos espaços urbanos e rurais, bem como da oferta dos serviços públicos essenciais, de modo a assegurar o bem-estar para toda a população.

Vários dispositivos constantes da proposta são alvos de críticas, entre eles, o direito de preempção, o coeficiente de aproveitamento unitário e a aplicação do IPTU progressivo em toda a cidade.

Todos são polêmicos e discordo da aplicação de vários, na forma como foram propostos, mas desejo comentar neste espaço, a aplicação do coeficiente de aproveitamento unitário em todo o perímetro urbano, com a respectiva aplicação da outorga onerosa do direito de construir, uma vez que considero esse dispositivo, um interessante elemento auxiliar na realização da justiça social no espaço urbano de Campo Grande.

Talvez você não saiba, mas todos os lotes de Campo Grande estão sujeitos a um índice de aproveitamento que varia de 1 a 6, dependendo da sua posição na cidade, e em qual zona está localizado.

A grosso modo, se a sua área está localizada em uma zona com coeficiente de aproveitamento 1, significa que você poderá construir nela um imóvel com a metragem máxima de uma vez a área do terreno. Se estiver em uma zona de coeficiente 2, poderá construir um imóvel com a metragem máxima de duas vezes a área do terreno. E assim por diante, até o limite de 6 vezes a área do terreno.

Desse modo, é evidente que quanto maior o coeficiente de aproveitamento para o lote, maior a possibilidade de construção de área, e consequentemente, maior o valor do terreno.

Esse modelo atual existente em Campo Grande, com coeficientes variando de 1 a 6, apresenta uma faceta extremamente injusta, uma vez que favorece alguns proprietários em detrimento de outros. E essa injustiça fica clara quando se pergunta por que alguns podem construir somente uma vez a área do seu lote enquanto que outros podem construir seis vezes?

A desvantagem é evidente. E qual foi o critério utilizado para definir a vantagem para alguns e a desvantagem para outros? Simplesmente a aprovação de uma lei na Câmara de Vereadores. Ou seja, os que estão em vantagem não pagaram nada por isso.

Assim, muitos proprietários ganham gratuitamente o direito de aproveitar mais o seu terreno, enquanto outros são chamados, apenas, para dividir os custos das obras de urbanização. Muitos ganham esse direito nas revisões dos planos diretores recebendo uma grande valorização em seus lotes, o que na prática nada mais é que um verdadeiro prêmio de loteria. Que tal o valor da sua área triplicar de preço em função de uma simples votação que altera a lei do zoneamento?

Pois é exatamente isso que ocorre no cenário atual. Para corrigir essa flagrante injustiça entre os moradores das cidades, o Estatuto da Cidade trouxe à baila o instituto da outorga onerosa do direito de construir, permitindo a aplicação do coeficiente de aproveitamento unitário em toda a cidade, e a aquisição do direito de construir mediante pagamento.

Desse modo, uma vez aplicado o coeficiente de aproveitamento unitário a todos os terrenos do município, todos os proprietários de áreas no município receberão gratuitamente, e igualitariamente, o direito de construir uma vez a área do seu lote. Aquele que desejar construir uma área superior, e desde que a zona de localização do terreno permita, deverá pagar à toda a coletividade para fazê-lo, sendo esse recurso utilizado na criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes, regularização fundiária, ordenamento e direcionamento da expansão urbana, entre outros.

Dessa maneira, aplica-se no ordenamento dos espaços urbanos uma lógica social que atua no sentido de diminuir as injustiças existentes em Campo Grande e na maioria das cidades brasileiras.

Portanto, muito embora a revisão do plano diretor empreendida pela atual administração mereça ser revista e finalizada sem açodamento no próximo ano, uma vez que não ocorreu de maneira amplamente democrática, inclusiva, e verdadeiramente participativa, a aplicação do coeficiente de aproveitamento unitário em toda a cidade é um instrumento que deve ser levado em conta pelo poder público municipal e por todos nós, se desejarmos, de fato, ampliar a promoção da justiça social no espaço urbano da nossa cidade morena.

Marcelo Bluma

(Engenheiro / Advogado / Presidente Estadual Partido Verde – MS)