Linha Internacional: Concluída demarcação da fronteira Brasil – Paraguai

Ponta Porã Linha do Tempo – Pesquisa. Prof. Me. Yhulds Giovani P. Bueno

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A demarcação da fronteira da linha de limite do Brasil com o Paraguai se inicia no encontro do talvegue do rio Iguaçu com o álveo do rio Paraná, pelo qual sobe até encontrar a barragem da Hidrelétrica de Itaipu. “Neste trecho localizam-se as cidades de Foz do Iguaçu (Brasil) e Ciudad del Este (Paraguai), ligadas pela “Ponte da Amizade” Em ofício de 14 de novembro de 1874, enviado aos seus superiores, o coronel de engenheiros Rufino Enéas Gustavo Galvão comunica a conclusão da obra de delimitação da fronteira Brasil – Paraguai.

“A extensão de 190 léguas da fronteira demarcada, está pouco conhecida, 80 de picadas abertas nas serras de Amambaí e Maracaju e nas cabeceiras do Apa para deslindar a questão de Estrela; a custosa navegação daquele rio e a do Alto Paraná, com os riscos que apresenta acima da foz do Iguaçu, podem dar uma ideia da perseverança da comissão e dos trabalhos com que lutou para efetuar esta demarcação”.

Fonte:https://historiasdooeste.blogspot.com/2020/11/concluida-demarcacao-da-fronteira.html?m=1

O Relatório dos Negócio Estrangeiros do Império, publicado em 1874 e que faz referência ao ano de 1872, inicia noticiando que “em janeiro de 1872 foram assignados em Assumpção pelos plenipotenciarios do Brazil e do Paraguay quatro tratados: definitivo de paz, de limites, de criminosos e desertores e de amizade, commercio e navegação” (Relatório, 1874: 1). A nosso ver, o mapa organizado por Duarte da Ponte Ribeiro serve a esses fins, por explicitar em suas linhas, onde começava o território monárquico e acabava o paraguaio. Em nosso entendimento, o mapa acompanhou o controle das águas e das terras, daquelas terras aquosas durante boa parte do ano, muito antes que houvesse um mapa para usos diplomáticos que ajustassem os espólios territoriais da guerra.

Carta da fronteira do Imperio do Brazil com a Republica do Paraguay organizada pelo conselheiro Duarte da Ponte Ribeiro, 1872. Publicado Manoel Fernandes de Sousa Netohttps://doi.org/10.4000/terrabrasilis.4862

A QUESTÃO DA SERRA DO MARACAJU.

A questão da Serra do Maracaju, trecho de cerca de 1300 hectares situado na cabeceira norte da área do reservatório de Itaipu e reivindicado pelo Paraguai, teve início na década de 60, mais precisamente em 1962, quando se iniciavam os trabalhos preliminares, pelo Brasil, para aproveitamento hidrelétrico na região de Sete Quedas.

A primeira Nota, M.R.B. nº 94 de 12/03/1962, enviada pela Embaixada do Paraguai no Rio de Janeiro, afirmou que o Paraguai “considera que su domínio territorial y fluvial se extiende sobre el Salto Del Guairá o Salto Grande de las Siete Caídas”, além de atestar que o trecho de 20 km do marco 341/IV a Sete Quedas não estava demarcada.

Seguiu-se Nota da Chancelaria brasileira, AAA/DAM/SDF/DAJ/24/254 (43) de 19/09/1962, que afirmou ser o referido trecho território brasileiro, conforme os Tratado de 1872 e os trabalhos de demarcação realizados de 1872 a 1874.

Carta da fronteira do Imperio do Brazil com a República do Paraguay organizada pelo conselheiro Duarte da Ponte Ribeiro, 1872. Publicado: Manoel Fernandes de Sousa Neto https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.4862

A resposta paraguaia, pela Nota de sua Chancelaria D.P.I. nº 368 de 10/06/1963, foi de que o Salto Grande de Sete Quedas não é totalmente brasileiro, e que o Paraguai teria “derechos de soberania y derechos de condomínio sobre las águas, en cuanto puedan ser utilizados cualquiera de sus recursos”. As Notas nada diziam sobre nova linha de limites mais ao norte, o que viria a acontecer somente em 1965, pela Nota D.P.L. nº 712 da Chancelaria paraguaia, de 14/12/1965.

Ao revisar os fatos anteriores aduzidos pelo Paraguai, deve-se realizar uma análise sobre os fatos anteriores, sendo estes segundo fontes bibliográficas: “recordar que havia situação delicada na região. O Porto Coronel Renato, situada no trecho em “litígio”, foi ocupada por destacamento militar brasileiro em 1965. A Comissão Mista de Limites e de Caracterização da Fronteira Brasil-Paraguai realizava trabalhos na região. A Delegação paraguaia desta Comissão questionou a ocupação da cidade por brasileiros, tendo em vista que aquele trecho ainda não fora demarcado e, consequentemente, não haveria como definir os limites entre os dois países.

Os militares, munidos de mapas confeccionados após o trabalho demarcatório de 1874, indicaram ser o território, de fato, brasileiro. Alguns meses depois, a Nota nº 712 foi recebida pelo Governo brasileiro”. Fonte: http://info.lncc.br/pedro.html

Fonte: Bilbioteca Nacional. O mapa geral do Império de 1873 O mapa geral do Império de 1873

ARGUMENTOS APRESENTADOS PELO PARAGUAI.

Os argumentos essenciais apresentados pelo Paraguai segundo fontes de arquivos documentais são os seguintes: O Tratado de Limites de 1872 afirma, em seu artigo 1º: “O território do Império do Brasil divide-se com a República do Paraguay pelo álveo do rio Paraná, desde onde começam as possessões brasileiras na foz do Iguassú até o Salto Grande das Sete Quedas do mesmo rio Paraná; Do Salto Grande das Sete Quedas continua a linha divisória pelo mais alto da Serra de Maracaju até onde ela finda; (…)”. Segundo o Governo paraguaio, a demarcação realizada entre 1872 e 1874 “fue parcial y no está concluída aún, faltando poner hitos em los veinte kilómetros de ‘linea divisoria por la cumbre de la sierra del Mbaracayú’ próximos al Salto del Guairá, recientemente ocupada por el Brasil com fuerzas militares”. Para sustentar seus argumentos, afirmou:

A Comissão Mista, com instruções pelo Protocolo de 1930, que a instituiu, realizou trabalho ingente ao colocar 846 marcos ao longo da fronteira seca. Isto não foi uma demarcação completa, tendo em vista que os 6 marcos colocados no século XIX seriam insuficientes.

No IV setor da fronteira seca, que vai do marco do Ibicuí ao Salto Grande das Sete Quedas, conforme definido pela Ata da Décima Segunda Conferência (junho de 1940), os 341 marcos colocados demarcaram o trecho, enquanto os 20 km até as Quedas ainda estavam por demarcar (recordando que, na 5ª Queda, não havia marco, já que os demarcadores consideraram o acidente geográfico “natural e imutável”). Tanto não estava demarcada, que houve até novo Tratado de limites entre os dois países, o de 1927, denotando que o próprio Governo brasileiro partilhava da opinião paraguaia.

Citou diversas Atas das Conferências da Comissão Mista onde a palavra “demarcação” aparece. São elas a 2ª (julho de 1933), a 11ª (agosto de 1939), a 13ª (maio de 1941), a 15ª (maio de 1945), a 16ª (julho de 1949), a 19ª (julho de 1954), a 21ª (21 de dezembro de 1955), a 22ª (27 de dezembro de 1955) e a 25ª (novembro de 1961). Como a Comissão Mista realizara, na década de 60, levantamento topográfico do trecho em questão, o Paraguai afirmou que os mapas apresentados pelos militares eram insuficientes por apresentar erros. Devido a isso, deveriam ser desprezados em favor do que afirmam os Tratados.

Segundo o Governo paraguaio, com base no trabalho topográfico altimétrico da serra, o “mais alto da Serra do Maracaju” seria o ramal setentrional do trecho, e não o meridional reivindicado pelo Brasil: “Estos trabajos realizados por la Comisión Mixta [o levantamento] demuestran acabadamente que la línea divisoria en la cumbre de la Sierra de Mbaracayú es la del ramal norte correspondiendo al Paraguay, por consiguiente, todo território situado al sur e dicha línea”.

RESPOSTA DO BRASIL

O Brasil respondeu pela Nota nº 92, de 25/03/1966, elaborada pelo então Chefe da Divisão de Fronteiras, Embaixador João Guimarães Rosa. Sigo o esquema elaborado para apresentar a argumentação paraguaia, com as respectivas respostas.

Os trabalhos realizados pela Comissão Mista são de caracterização da fronteira, não de demarcação. O que foi feito de 1872 a 1874 é plenamente válido e a colocação de novos marcos serviu tão-somente para melhor identificar a linha de limite, tendo em vista que, na fase demarcatória, foram colocados somente 6 marcos principais para indicar os pontos notáveis da fronteira. As razões aduzidas são as seguintes:

A indecisão das fronteiras no século CIC, e a contribuição do Barão de Ponte Ribeiro. Na Secretaria de Relações Exteriores, os documentos cartográficos reunidos ajudaram a guiar a assinatura progressiva de vários tratados com os países vizinhos (ver figura 2). Em 1851, Ponte Ribeiro participa a assinatura de um acordo com o Peru, definindo como fronteira a cidade de Tabatinga, a partir da qual uma linha reta direto ao norte deveria encontrar ao rio Japurá, enquanto ao sul o rio Javari marcaria os limites. As diversas vantagens territoriais obtidas pelo Brasil neste tratado estão profundamente baseadas no argumento do uti possidetis, embora fosse dado um direito de navegação aos peruanos, em troca. Este mesmo tipo de transação seria utilizado nos tratados com a Venezuela e a Bolívia, realizadas respectivamente em 1859 e 1867 pelo mesmo Ponte Ribeiro, graças à sua “diplomacia cartográfica”.

Os marcos colocados pela Comissão Mista caracterizaram a fronteira, conforme afirma o Preâmbulo do Protocolo de Instruções para a Demarcação e Caracterização da Fronteira Brasil-Paraguai: “ (…) Os Governos da República dos Estados Unidos do Brasil e da República do Paraguai, no intuito e dar cumprimento ao estipulado no parágrafo único do artigo terceiro do tratado de limites, complementar do de 1872, firmado no Rio de Janeiro a 21 de maio de 1927, e, por outro lado, no de ATENDER A NECESSIDADE DE SEREM REPARADOS ALGUNS DOS MARCOS DA FRONTEIRA ENTRE OS DOIS PAÍSES, DEMARCADA DE 1872 A 1874, POR UMA COMISSÃO MISTA BRASILEIRO-PARAGUAIA, de serem substituídos os marcos da mesma fronteira, que hajam desaparecido, e de serem colocados marcos INTERMEDIÁRIOS nos pontos QUE FOREM JULGADOS CONVENIENTES, resolveram celebrar o presente ajuste, no qual todas essas providências se acham indicadas” (realce no original). Como se percebe, ambos países já haviam acordado que a fronteira estava demarcada desde 1874. Mais: segundo o artigo 2º do Protocolo, foi constituída uma Comissão Mista de Limites e de Caracterização da Fronteira Brasil-Paraguai.

Mappa Geographico de huma parte do Imperio do Brazil – 1863

Carta Geographica de Uma Parte do Império do Brasil organizada por Duarte Ribeiro e o Capitão de Estado Maior Izaltino José Mendonça de Carvalho [1856]

Ao longo da Nota nº 712, principalmente no § 8º, o Governo paraguaio denominou-a “Comisión Mixta de Demarcación y Caracterización de la Frontera”, de modo sub-reptício. O Tratado de 1927 nem cita o trecho da fronteira da seca. Foi elaborado em 1927 devido aos problemas de delimitação do Chaco entre o Paraguai e a Bolívia. Resolvida a pendência, o Brasil e o Paraguai assinaram o Tratado, que trata do trecho da foz do rio Apa até a Baía Negra, ao longo do rio Paraguai.

A palavra “demarcação” é utilizada, muitas vezes, de forma aleatória. O Protocolo de 1930 é bastante claro. Inclusive, em seu artigo 10º, afirma, novamente, de forma explícita: a finalidade da caracterização seria proceder “à reparação ou substituição dos marcos da fronteira comum, DEMARCADA DE 1872 a 1874, que estiverem danificados ou destruídos, mantendo suas respectivas situações.

Além disto, observadas as prescrições do tratado de limites de 9 de janeiro de 1872, e o que se contém na ata da 18ª e última conferência da comissão mista executora do dito tratado de 1872, assinada em Assunção a 24 de outubro de 1874, construirá novos marcos entre os já existentes, nas terras altas da referida fronteira refere-se à fronteira seca, indicadas naquele tratado de modo que cada trecho da linha divisória fique definido por uma poligonal retilínea, caracterizados seus vértices pelos marcos existentes e pelos que forem construídos, cumprindo que de qualquer deles se possam avistar, diretamente e a olhos desarmados, os dois contíguos” (realce no original). A Nota nº 92 afirma que, se o Brasil acatar a posição paraguaia, de que não houve demarcação no terreno, irá contra as disposições dos Tratados de 1927 e o Protocolo de 1930, além do Tratado de 1872, que afirma ser o ponto final da fronteira no Salto Grande das Sete Quedas.

ANALISES FINAIS

Após esses argumentos, não houve resposta paraguaia. Em 22 de junho de 1966, assinou-se a “Ata de Iguaçu”, que acordou em aproveitar o potencial hidrelétrico da região de forma bilateral. Ademais, no parágrafo VII, afirma-se que “em relação aos trabalhos da Comissão Mista de Limites e Caracterização da Fronteira Brasil – Paraguai, convieram os dois Chanceleres em que tais trabalhos prosseguirão na data que ambos os Governos estimarem conveniente”.

Em 1973, assina-se o Tratado de Itaipu. O artigo VII deste instrumento é de extrema relevância para a questão em apreço: “As instalações destinadas à produção de energia elétrica e obras auxiliares não produzirão variação alguma nos limites entre os dois países estabelecidos nos Tratados vigentes até os dias atuais.  

Pesquisa historiográfica. Prof. Me. Yhulds Giovani P. Bueno. Formação: Pedagógica e história. Pós Graduado em Metodologia do Ensino de História e Geografia, Pós Graduado no Ensino da História e Biblioteconomia.  Mestre em Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos. Membro do Rotary Club Ponta Porã Pedro Juan Caballero – Guarani distrito 4470.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

CARVALHO D. de (1939) “As fronteiras do Brasil no regime colonial” in Revista de Geografia, Rio de Janeiro, ano I, n° 4, out. 1939, p. 91-109.

CASTRO N.W. (1994) Missão na selva : Emil Oderbrecht – 1835-1912: um prussiano no Brasil. Rio de Janeiro, AC &M.

CORTESAO J. (1965/1966) História do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro, Instituto Rio Branco, tomos I e II.

HARLEY B. (1991) “A nova história da cartografia” in Correio da UNESCO, agosto 1991, ano 19, n°8 Brasil, p. 4-9.

MAGNOLI D. (1997) O corpo da pátria : imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). São Paulo, Ed. UNESP/Moderna.

MOTA C.G.& LOPEZ (1989) Brasil revisitado – palavras e imagens. São Paulo, Editora Rios

https://www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simposio2016/pdf/Anais_3SBCH_2016_final.pdf. Acesso 2023

Virgílio Correa Filho, História de Mato Grosso, Fundação Júlio Campos, Várzea Grande, 1994, página 575

http://info.lncc.br/pedro.html?fbclid=IwAR2SGovwsBt0iGeFLN_r6a9GMr7sUWoMa5scfRok5THzaxiNfr28fEEHZQ4. Acesso 2023

Dossiê “Geografia Histórica em questão”. Journals.openedition.org/terrabrasilis/4862. Acesso 2023