Poucos dias após assumir a Presidência da República, Jair Bolsonaro, foi a um jantar em Washington e surpreendeu seus convivas da extrema-direita dos com um extravagante discurso: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o nosso povo”. E foi mais longe: “Nós temos que desconstruir muita coisa”

Sem compromisso com o futuro, prenunciou sua opção pelo retrocesso!

A despeito do obscurantismo explicitado, poucos deram atenção aos desatinos de seu conteúdo. Afinal, no auge da confiança propiciada pela robusta votação obtida, era difícil acreditar que o recém-eleito fosse enterrar a esperança dos que seguiam acreditando em avanços prometidos.

Entretanto, decorridos mais de três anos de governo, não resta dúvida de que a fala de Bolsonaro aos próceres extremistas norte-americanos não era simples arroubo retórico. A desconstrução que anunciara, revelara-se diretriz de seu governo. É a bússola que ele vem seguindo.

O primeiro alvo de sua meta destrutiva tem sido a própria democracia, cujos pilares vem ameaçando insistentemente. Até o Relatório Anual de 2022 da Human Rights Watch (HRW), noticía para o mundo que Bolsonaro “ameaçou os pilares da democracia brasileira diversas vezes no ano de 2021”.     

Já em outubro de 2019, um dos mais proeminentes porta-vozes do patriarcado, Eduardo Bolsonaro, o Zero 3, fazia aberta apologia à reedição do AI-5, o mais letal de que se valeu a para aniquilar o que restava da ordem jurídica democrática.

Não é sem propósito que o Presidente vem minando a necessária harmonia entre poderes sempre que encontra resistências as suas decisões extravagantes ou pretensões desarvoradas. 

Nenhum antecessor fraturou tanto o relacionamento institucional, abrindo fogo contra outros poderes, especialmente o Supremo Tribunal Federal.  Da mesma forma, não há precedente histórico de tanto entrevero entre Presidente, Governadores e Prefeitos.

O pior é que o “capitão” tem agido assim na defesa de causas ruins, usando vocabulário vulgar invés da urbanidade civilizada; o destempero verbal, invés da serenidade; a vulgaridade, invés do respeito. 

Basta aviventar a memória de dois episódios: a reunião ministerial de abril de 2020 e o “comício” de 7 de setembro de 2021. Em ambos eventos, o desprezo pelo decoro, as ofensas às regras democráticas e ao convívio civilizado! 

Destroçar o judiciário ou subjugá-lo é conduta típica de quem quer livrar-se dos freios e contrapesos que protegem as democracias. Para o autocrata, a lei é um permanente obstáculo à governança!. Afinal, a vontade do governante é sempre “iluminada” e, por isso, há que prevalecer; mesmo quando afronta a ordem jurídica e a razão.

Quando o dever de cumprir uma Constituição legitima e democrática “embrulha o estômago” do governante, seu apetite autoritário ameaça devorar a liberdade.    

 Daí a escalada recorrente do “capitão” contra o Supremo Tribunal para reduzi-lo a mais um “puxadinho” do governo a exemplo do que já fez com a Procuradoria Geral da República.

Sem forças para “desconstruir” o STF, guardião da Constituição, a estratégia de Bolsonaro aponta para um alvo emblemático: o sistema eleitoral!

Em plena pandemia do Coronavírus19, o “capitão” passou a disseminar o vírus da dúvida sobre as urnas eletrônicas, apesar de ter sido eleito para o legislativo e a presidência da República por esse mesmo processo de votação.

O vigor das instituições e a reação da sociedade reduziram a frequência dos ataques ao sistema de votação, mas não cessaram suas ameaças.  

A cada pesquisa desvantajosa à sua pretensa reeleição, os ataques às urnas eletrônicas se renovam! Preparação do terreno para a versão brasileira do Capitólio? Para quem tem no currículo a autoria do croqui de bomba para explodir a adutora do Guandu-RJ, além de unidades militares, nada impossível! Na famosa reunião ministerial de abril de 2020, Bolsonaro deixou clara sua vocação bélica:  “Eu quero todo mundo armado!” disse para todos ouvirem.

Não por acaso, as organizações criminosas nunca tiveram tantas facilidades para acessar a armas e munições em nosso País como agora!

A confissão de que veio para “desconstruir” e não para “construir”, é absolutamente coerente com as palavras e atitudes do “capitão”. 

A obstinada contestação ao sistema eleitoral é apenas o estratagema para desconstruir a democracia em cujos pilares estão fincados na legitimidade da representação popular. 

Para quem já promove a desconstrução do meio ambiente, saúde, educação, ciência e tecnologia, segurança pública, a desconstrução da democracia seria o corolário desse apostolado do mal que se alimenta na mistificação. 

Entre os objetivos anunciados em Washington, as ações de seu governo e as ameaças às eleições , há uma incrível coerência sintetizada nas desconstrução.  É uma coerência sombria, mas pré-anunciada.  

Valter Pereira, advogado.

Ex-Vereador, Deputado Estadual, Federal, Constituinte.

Ex-Senador da República